Aqui está um prato que aquece o estômago e os ânimos tradicionais e que junta o melhor de dois mundos opostos: o porco preto alentejano – certifique-se da origem da carne, pois faz toda a (in)diferença, por causa das bolotas e tudo isso –, e as ameijoas, que terá de ir buscar à costa alentejana, já que raramente se encontram no montado. Dizem que em anos bissextos, em determinadas luas cheias, com a cor de camisa indicada e no exato ponto de embriaguez, se conseguem apanhas ameijoas em certas azinheiras ou sobreiros, mas como se quer fazer desta receita um prato exequível o ano todo e todos os anos, não vamos apontar para o ótimo e fiquemo-nos pelo muito bom.

Posto isto, comece por fazer a matança do porco. Uma chacina de ir às lágrimas que poucos, no seu perfeito juízo, conseguirão iniciar quanto mais concluir. Por isso, não mate já o adorável Isidoro, que viu crescer e medrar durante tanto tempo, e avance para o plano B: vá ao talho. Aí, não se mata seja o que for, pois já está tudo devidamente cadáver. Peça lombo cortado aos cubos ou especificamente carne para esta receita. Os talhantes são gente entendida, cheios de mundo, que saberão exatamente aquilo que lhe convém e na porção necessária para as pessoas que terá de alimentar. Nada como falar com especialistas. Siga para um viveiro de marisco, ou para a bancada dos bivalves no supermercado e avie-se com conchas em número e peso suficientes para que ninguém possa comentar que poupou no ‘marisco’. Em casa, repouse um pouco após tamanha maratona, enquanto deixa as conchas em água e sal para que acordem do seu beauty sleep e se auto-lavem, que o marisco é ‘gente’ muito asseada e autónoma. Se já dormitou uma breve sesta, está na hora de avançar para a cozinha. Junte o porco ao marisco, fazendo muita atenção aos temperamentos de cada um deles. Entre outras coisas absolutamente imprescindíveis, não esqueça a banha, as migas de infância, a salsa e a massa de pimentão. Tudo coisas bem alentejanas que deixarão as ameijoas logo bem-dispostas, o que é bom, pois de nada serve usar de hostilidade. Coza em lume brando, pois, mais uma vez, não há necessidade de avançar com agressividade. Muita calma é o que se exige. Sirva quente com batatas. Estas, e porque é um prato pertencente à lista da muito recente dieta gorda, em que apenas se consomem gorduras enquanto se emagrece estupidamente, deverão ser fritas e em azeite ou, se a dieta o exigir, banha de porco (já que o porco está morto, mais vale aproveitar tudo muito bem, que isto não está para desperdícios e outros vícios). Acompanhe com um bom vinho tinto. Saúde! (Vai precisar dela.)

Ingredientes:

– Diplomacia, acima de tudo diplomacia, para colocar em diálogo aberto e saboroso os paladares do campo com os do mar

– Conchas

– Porco preto alentejano (não é uma questão racista, não seja tolo, mas sim de palato)

– Batatas fritas

– Banha

– Azeite

– Salsa

– Massa de pimentão (é vermelha e tem um odor muito forte, pelo que deve usar máscara de dentista ou cirurgião)

– Uma sesta retemperadora a meio da receita e outra logo após, que o estômago pesado exige cautelas redobradas (não confundir com dobradas)

– Migas de infância, porque nada como uma ótima companhia

Tempo de preparação:

Seguramente, uma tarde longa, para aí entre as 15h e as 20h. Marque o jantar apenas para as 21h, a fim de precaver algum imprevisto, porque que las hay, las hay, que a lei de Murphy não foi inventada ao calhas.

 

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