Se não é barra, ou sequer trave, nem mesmo argolas, em línguas estrangeiras – as de vaca não entram nesta receita –, nem ouse aventurar-se nesta intrincada gramática do palato. O menor erro ortográfico ou de concordância ou até um mero deslise de má pronúncia, e a receita gora-se num milésimo de segundo, tal como a atração perante a falta de um dente frontal num qualquer sorriso. C’est la vie mes amis! Feito o reparo e deixado o alerta a todos aqueles que ignoram os meandros do estrangeirismo, vamos então à Açorda Chiquérrima de Espargos Bravos com aromas de Quelque Chose. Vai precisar de um médio a bom dicionário de Francês e aprender a consultá-lo, caso não seja versado em entradas e ordem alfabética, e ainda de uma educação esmerada ao nível do armado ao pingarelho. Ou seja, ainda que não seja verdadeiro craque em Francês, necessita de dominar os mínimos olímpicos para que pareça – com uma expressão aqui e ali-, que sabe bem do que se fala quando se fala em francês. Reserve tudo isto, em local fresco e arejado num qualquer recanto da sua mente.
Para que a açorda seja chiquérrima, não contemple um qualquer pão. Vai necessitar de uma mistura elegante, ao nível da baguette – jamais olvidar os dois tês, se está de corpo e alma nesta não receita -, de massa fina e contemplativa. Não menos importante do que pão armado ao centeio é a qualidade dos espargos, já se vê. Estes devem ser bravíssimos. Caso não deem a devida luta e se mantenham mudos e quedos sobre a bancada onde deverão ser laminados, esqueça. Procure outros, no mínimo, irrequietos. Conseguido isto, faça um breve e romântico refogado e coloque os espargos a dançar, no fundo de um tacho com alhos e o azeite trés, trés brûlant. Adicione o pão e água fervente aos poucos. Aplique os conhecimentos de francês e toda a elegância que tinha reservado, neste preciso momento. Amasse e retire do lume, logo que consiga uma bola compacta, cuja espessura e densidade deverão ser a seu gosto pessoal. Aromatize a gosto com quelque chose. Em relação ao quelque chose seja criativo. Coloque numa travessa rebelde e enfeite com tomilho ou um pouco de l’air du temp. Bon appetite!
Igredientes:
- Pão charmoso e chiquérrimo
- Espargos selvagens muito, muito bravos
- Azeite
- Sal
- Pimenta
- Alhos
- Quelque chose para aromatizar
- Um bom dicionário
- Uma educação esmerada
- Uma pitada de l’air du temp
Tempo de confeção:
Bastante, caso tenha de se reeducar, não disponha de um bom dicionário de francês, não domine o universo chique, não tenha em casa pão elegante, não consiga domar uns bons bravos espargos, não tenha a menor ideia do que sejam quelque chose ou l’air du temp… Demorará quase nada se tiver um amigo alentejano por perto com experiência em açordas ou um ribatejano habituado a domar feras.
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