Parece estranho, mas sabe bem e, no fundo, é apenas isso que conta em qualquer receituário. A inusitada parceria entre o clássico, elegante e versátil bacalhau e a popular e promíscua alheira – sempre atafulhada de coisas várias, exceto carne de porco, como bem sabemos –, com as suas carnes brancas e tudo o mais, cria de imediato um certo desconforto na boca do estômago. Porém, isso acontece apenas antes da sua degustação. Depois de provado e engolido, é tão extraordinário quanto qualquer outro casamento. Claro que a avó paterna nunca se vai conformar, achando que o bem curado e ‘salgaducho’ do neto está vários furos acima da pobrezinha alheira, que a seus olhos nunca passará de um patchwork de miudezas de menor qualidade e importância zero, que jamais poderia ter a ousadia de, sequer, colocar os olhos em tão distinto ingrediente, mais ainda tão bem calibrado. Sabe que mais, vovó? À conta de tão seletas e bafientas escolhas matrimoniais, consanguineamente benévolas e estupidamente estéreis de amor, o seu neto, por estes dias, já não passa de uma mirrada posta seca, com excesso de sal e parca em sabor por quem já ninguém se interessa, nem mesmo em época de Natal.

O pai terá de engolir o sabor a aves – que lhe recordam os bons tempos da caça à perdiz – e todos os atrevidos condimentos da jovem alheira, o que, aliás, o incomoda tanto quanto atrai, já que há algo de sexy naquele exotismo pagão, além de que o dote de sabor extra vinha mesmo a calhar, após séculos de irresponsabilidade financeira e herdeiros pouco talhados para… como é que se diz… ai, está mesmo debaixo da língua… Trabalhar. É isso: trabalhar, fazer coisas, produzir e assim. A alheira, pelo contrário, parece bastante laboriosa e empreendedora.

A mãe aproveitou a deixa para deixar tudo aquilo e partir com o suculento Janico, que era do melhor que há, e ainda ser filho do neto do sogro do visconde de um sítio estupendo, que permitia utilizar um centésimo de título e isso não tem preço e tem muita graça também.

A alheira, que se casa por amor, está encantada pois percebe bem que será o elemento aglutinador e que nenhum outro sabor se lhe sobreporá. Haverá, claro está, um acordo pré-nupcial, que os ‘de bacalhau’ há demasiadas gerações habituados a gastar o que é seu e também o que é dos outros, não são de confiança, mas assegurado o acesso financeiro e controlados os olhos babados do sogro, tudo correria pelo melhor.

Já o bacalhau, encantado com todo o garrido e energia da Alheia, ansiava por nadar em águas livres, longe da piscina cheia de líquenes em que há muito esbracejava sem sair do lugar.

Na cerimónia, foi comum o comentário: ‘Para quem é, bacalhau basta’, já que a família da alheira tinha vários ramos desavindos e, invejando inexplicavelmente aquela aliança com a ‘betolândia’, moíam assim, a sua inveja.

Tudo junto e é maravilhoso. No final, bastam 20 minutos para gratinar tudo. Sirva com salada ou legumes cozidos, para desenjoar.

Ingredientes:

– Bacalhau

– Alheira

– Muita imaginação

– Alguns resultam de gerações e gerações de apuramento e são difíceis de encontrar por aí, terá de procurar muito bem ou ser criativo

Tempo de preparação:

Séculos de idiotice, se bem que a nova idiotice não é de desconsiderar, pelo que pode ser coisa para duas a três horas de atividade culinária.

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