É o parente pobre do Bolo Rei, como se sabe. Menos celebrado do que este aristocrático primo, devido a baixo budget, para não dizer inexistente, alocado ao marketing e à publicidade, o Bolo Plebe aguarda que a sua receita viralize algures por aí, o que tem tardado. Veremos se ajudamos o desfavorecido filho da pastelaria tradicional a ganhar alguma tração.
Pois bem, no fundo falamos aqui da clássica luta de classes naquele preciso ponto em que ela se cruza com azares levados da breca e trends contemporâneos. Para favorecer a compreensão, vamos por partes, como em qualquer outra receita.
A questão da luta de classes em culinária
Todos sabemos como um apelido move montanhas sem termos de mexer o dedo mínimo, pelo que ao apresentar-se ao mundo como Bolo Rei e assumindo que não há impérios por perto que venham sobrepor-lhe um Bolo Imperador, o Bolo Rei tem a partida ganha sem ter sequer de ir a jogo. Uma bem-fadada cunha batismal que dificulta a ascensão de quem não nasceu em tacho de ouro. Bem mais jovem, o Bolo Rainha não tardou a ganhar o seu espaço, mas, já se sabe, ela é a mulher do rei, pelo que fica tudo no mesmo apelido. Fora da linha de sucessão, e pior ainda para quem já nasce fora de tudo, o caso exigiria tricas palacianas, enredos na corte e não há fermento que aguente tanta emoção.
A questão dos azares da breca
Neste caso, os deuses estavam todos distraídos com um soft roman porno olímpico e acabaram por deixar cair parte da massa de pasteleiro no meio da Chamusca, quando toda ela se destinava, afinal, a Belém. Ao palácio de Belém, pois claro, que a outra Belém também não é nenhum paço ducal de Vila Viçosa. Podendo ter vivido e convivido com a nobreza, a coitada daquela porção caída literalmente em desgraça, teve de se misturar com o pão que o Diabo amassou, o que parece que pode ser aborrecido, quando ainda não se está habituado, que depois de conquistado o costume, tudo se aceita sem questões. Assim, um bolo que poderia ter tuteado os mais snobs ducheses da corte, olhado de alto para um folhado alentejano e outras parvoíces altaneiras que surgem com as caganças, acabou entre broas de milho e papas de aveia, sem sonhar o que era uma massa fina. A isto se chama azar. Daí – e para quem gosta de História e língua portuguesa –, surgiram as expressões: ‘Caído em desgraça’ e ‘Separados à nascença’. A cultura fica sempre bem e o saber não ocupa lugar, apenas espaço na memória e hoje, com as clouds… Enfim.
A questão dos trends contemporâneos
Sabemos bem que os trend seekers e trend-setters querem apenas mais do mesmo, mas com novas e melhores roupas, perfumes mais exóticos, embrulhos mais ecológicos, compromissos mais vinculativos com o planeta e a sustentabilidade, mas sem nunca prescindirem de um bom privilégio ou post, nem de um telemóvel de última geração com todas as Apps e lítio do universo bem compactado. Ninguém se quer sacrificar verdadeiramente.
Assim, o que é que temos? Dois bolos em tudo iguais e que se resumem a uma caótica misturada do que tiver por casa ao nível dos frutos secos e da fruta cristalizada. Claro que só o Bolo Rei pode custear tudo isso. Previsivelmente, ao Bolo Plebe cabe reunir o que conseguir para somar à tal massa em tudo igual e que por um azar da breca caiu na Chamusca, nunca alcançado o seu destino no palácio de Belém.
Apenas para exibir a sua riqueza, o primo rico ainda acrescenta uma fava e um berloque, que invariavelmente acabam por partir dentes aos pobres que arriscam provar todo aquele rococó decorativo. Com a atual crise, veremos se o primo rico não acaba apenas com cascas de amendoim no bucho.
Ingredientes:
Tanto para um como para outro, tudo aquilo que consiga reunir, mais desejavelmente ao nível dos frutos secos e cristalizados, mas onde tudo é bem-vindo, exceto pensos rápidos. Caberá à crise ditar quantos ingredientes líquidos conseguiremos somar à base bruta. Serão sempre menos do que aqueles que se somam ao primo rico, que ainda leva uma lembrança. Na verdade, espero que gostem apenas da massa do bolo, pois pode dar-se o caso de… Bom, não vamos agoirar.
Tempo de preparação:
A crise determinará o tempo necessário para reunir os parcos ingredientes que conseguirmos. Arrisco dizer: pouco, muito pouco tempo.
PS – O melhor de tudo é que ODEIO BOLO REI, pelo que me estou nas tintas para as sagas familiares entre favorecidos e desfavorecidos. A mim, quem me tira uma boa sopa de cação tira-me tudo.
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