De olhos postos no espelho, do qual se aproximava ou distanciava, consoante pequenos detalhes a que queria prestar mais atenção – e também porque a falta de visão ao perto começava a dar sinais de muito pouca acuidade –, Bonifácio sorria interiormente, o que também lhe arrebitava um pouco o canto dos lábios, num tímido esgar de plena satisfação. Cinquenta anos e ainda aquele físico portentoso. Músculos semitonificados. Um abdómen que não o envergonhava, fosse na praia – onde os corpos reais nos fazem sentir os mais soberbos exemplares à face da terra –, fosse no ginásio – onde também nunca ficava abaixo dos cem melhores corpos da academia que frequentava. Aquele abdominal malandro e solitário. Tudo “muito impecável”, como gostava de dizer. Nas têmporas, umas sedutoras cãs. Na boca, uma saudável dentição praticamente completa, à exceção de um pré-molar e mais um ou outro de cujo nome já nem se lembrava, a cujos funerais tinha ido há já mais de duas décadas, pelo que os espaços vazios já estavam quase ocupados pelos dentes vizinhos. Uma tentadora barba grisalha, aparada com rigores de optometrista…
E lá em baixo, se é que me entendem, tudo a funcionar sem dramas ou percalços. Era zona que jamais lhe desobedecera ou deixara ficar mal. Nunca. Tamanho reconhecimento merecia uma aproximação ao espelho, a fim de verificar a estética perfeita de tudo aquilo. Nisto, o coração parece saltar do peito de Bonifácio. Ele jurará, mais tarde, que era visível no exterior, o batimento descompassado do seu órgão cardíaco, repuxando-lhe a pele, acossando-lhe as costelas, desengonçando-lhe o externo. O ar torna-se sólido e mal dá entrada nas suas narinas e o cérebro começa a acusar, já, alguma falta de oxigenação. Bonifácio sente pequenos espasmos. A boca em ‘O’ não cede à ordem para se fechar. Os seus olhos em modo gruta de Ali Babá quando desengatilhada ao som da frase mágica, recusam-se a acreditar naquele feixe de cor, naquele… Será reflexo da luz, seguramente. Um pelo do turco branco da toalha. Um raio de sol mais endiabrado, descrevendo ilusões óticas de reflexos prateados. Uma falha de visão. Com a mão trémula e os olhos programados em zoom, Bonifácio tenta tirar aquilo a limpo. Podia ser uma infinitude de coisas, apenas não concebia que fosse aquilo que já lhe surgia como óbvio, sob qualquer incidência de luz: um pelo púbico BRANCO. Aquilo era o fim da linha na sua conceção de juventude. A seguir a pelos púbicos brancos, o que se seguiria? Impotência e demência. Apenas isso se lhe afigurava, naquele momento, pior do que a descoberta do primeiro pelo púbico branco. Depois de pronunciado, depois de fixado pelas palavras, não havia retrocesso. Tinha um pelo púbico branco. Seria apenas isso mesmo? Um único pelo púbico? Sentiu-se aterrorizado. Ainda que fosse um caso isolado, quanto tempo demoraria agora a surguir o segundo e o terceiro e o quarto…???? Estar-se-ia perante uma medida temporal dilatada como um ano, ou apenas dias, ou mesmo segundos? E se acordasse, um desses dias, com toda a zona prateada? Valeria a pena começar a pintar aquelas cerdas grossas? Faria mal à pele sensível daquela zona corporal? Seria ainda mais percetível isso, a cor artificial, do que meia dúzia de pelos brancos? E porque dizia já meia dúzia? Andariam por ali mais alguns? Em sítios que não conseguia espreitar?
Precisava de repor os níveis de açúcar no sangue. Foi aos tropeções para a cozinha, ainda nu, e abriu o frigorífico. Talvez um iogurte, ou um batido. Apenas um copo de leite retemperador. De volta ao assunto que lhe minava o cérebro. Arrancá-lo não podia, havia aquela história de que por cada um arrancado nasciam sete, e arriscar meter-se com superstições era coisa que não jogaria a seu favor nesta fase. Não se podem acordar as maldades e os demónios. Há que agir com cautela. Os chamados pezinhos de lã. Compraria um rímel, ou qualquer outra coisa que ajudasse a disfarçar aquele sinal do que estava para vir, que mascarasse de novo e de jovem aquele velho que já se instalava no seu corpo. Um corpo tão fantástico. Como é que aquilo lhe estava a acontecer? Não era justo. Não o permitiria. Jamais envelheceria. Não daquela forma. Pelos púbicos brancos?! Bebeu mais um copo de leite. Aquilo exigia medidas drásticas.
Teria de ser ele, a sua versão mental e espiritual, a fazer ver ao seu corpo que não era velho. Ele, corpo, que não se rendesse à idade e parasse de brincadeiras de mau humor, pois disso não passavam. Os cinquenta eram os novos qualquer coisa, como tinha lido algures, pelo que, nada de disparates. Pegou no telefone. Tinha de ligar à Cristina. Na sua lista de contactos, conseguiu distrair-se o suficiente para perceber que tinha apenas uma amiga Cristina. Não havia outra na sua lista de contactos, quando tinha memória de uma infinidade de Cristinas durante os anos de escola. Onde andariam as Cristinas desta vida? Teriam mudado de nome? Teriam mudado de sexo? Todas elas? E quem diz Cristinas, diz Anabelas. Tirando um ou outro cabeleireiro, quem conhece alguma Anabela? Mas, em tempos, houve imensas crianças com esse nome, verdade? O que foi feito delas? O que lhes fizeram? Teriam levado o mesmo destino da pobre Maddie? Todas elas? Era um pouco absurdo. Seria? Começou logo a divagar com a hipotética história de um déspota num regime autoritário a eliminar todas as crianças cujos nomes fossem Cristina ou Anabela. Foi logo para o estirador, alinhavar meia dúzia de pranchas sobre o tema. Podia ser giro para o jornal, ou para o seu site… Mas o dito cujo do pelo púbico branco não parava de o atormentar.
Tinha mesmo de ligar à Cristina, maga da maquilhagem. Mas como abordar o tema sem lhe dizer qual o verdadeiro propósito? Inventaria uma festa de máscaras, ou… Uma sobrancelha branca! Não. Demasiado próximo da realidade, ela poderia perceber. Uma festa, pronto. Seria isso que lhe diria. Precisava de se maquilhar para uma festa. Cristina logo disponibilizou uma bolsa enorme com restos de coleção de épocas passadas. O melhor de tudo? Podia ficar com tudo e ainda lhe explicou que já ninguém dizia rímel. Por estes dias, o correto era chamar-lhe máscara. Pois era mesmo de máscara que Bonifácio necessitava. Esperou que Cristina lhe identificasse os tubos com o milagroso creme espesso e selecionou apenas os de cor preta ou castanha – percebeu que havia em mais cores além dessas. Logo que ela saiu, apressou-se a deitar tudo o resto fora. Jamais necessitaria de algo que se chamava gloss. Só lhe recordava glossário e horas de marasmo que passara nas bibliotecas, quando apenas aí se podia procurar informação. So long ago, pensou, olhando com apreço o seu smartphone e o seu inseparável tablet. Tal como estes, também o corpo humano poderia e deveria estar preparado para receber, com a frequência necessária, updates e todo o tipo de atualizações que mantivessem o ritmo, a argúcia e a acuidade de toda a matéria viva. Era tão mais eficiente e evitava-se esse enorme aborrecimento que é envelhecer, que é como quem diz morrer aos bocados. Agora lá vai uma coisa, daqui por umas horas, já se foi outra e um dia acordamos e lá está um pelo púbico branco, a lembrar-nos de que morremos todos os dias. Todas as horas. É o raio do tic-tac que não se cala.
O encontro com Cristina serviu ainda para perceber qual o caminho a seguir, na sua senda de modernização do seu Eu. Muito havia a fazer. O mais importante era manter a mente jovem e a crença de que não se é velho, mesmo que o corpo insista em desmentir, mais do que essas convicções, as próprias evidências, denunciadas aqui e ali. Além disso, havia muito a fazer. Havia que refrescar a mente, ‘juvenilizar’ a sua agenda social, atualizar o guarda-roupa, pôr-se a par dos novos tiques de linguagem, aprender a reconhecer os sítios da moda e frequentá-los, aderir a alguns trends… Tornar-se todo ele mais contemporâneo. Mais fresco. Um novo corte de cabelo numa Anabela da vida, sapatos sem meias, roupa mais slim fit, cores mais ousadas e até alguns padrões. Quase um makeover integral. Não se pense, de forma precipitada – muito errado seria fazê-lo –, que Bonifácio não era já, em seu entender, um homem do seu tempo, um igual da sua era, um muito bem-parecido exemplar do sexo masculino. Era tudo isso e um pouco mais, com sublinhados no masculino. Neste momento, todavia, o pretendido era retroceder um pouco as horas e levar o corpo a perceber que se estava a adiantar à mente. Pequenos subterfúgios operam milagres, como se sabe, e nesta fase Bonifácio era um devoto ortodoxo do seu plano.
Por tudo isso, a conversa com Cristina tinha sido providencial. Sempre muito ligada à moda e uma frenética do lifestyle e das novas tendências, Cristina era ainda uma melómana. Ia de Bach a Mika, de Lola Jesus a Toy. Outra das suas características era ainda a voracidade com que avançava para cada tema e a velocidade com que os substituía no encadeado de uma conversa. Foi assim que ficou a saber que Cristina estava de armas e bagagens preparadas para um festival de música em plena floresta. Que tinha uma tenda dourada – que ela própria personalizara com glitter e verniz de unhas fluor – e um novo namorado de apenas 27 anos. Bonifácio terá ouvido pouco mais do que isso, mas apenas isso encheu-lhe o coração de energia e de vontade de ser jovem, descomplicado e partir de tenda e avançado para um festival de música. Logo ele, que tinha equipamento de primeira, de quando passava as férias na Charneca. A quantidade de miúdas – para mais de três, seguramente, se a memória não lhe pregava, agora, erros de somar – que não passaram pela sua Insólita 5.2! Só de recordar esse passado que parecia retirado de uma outra vida, Bonifácio já se sentia mais novo. Tinha de ir aos arrumos, desencantar a sua Insólita 5.2 e partir para o mato, durante dias, a conviver com jovens e a engatar miúdas. Que curtição. Não, curtição é do século passado. Cristina ralhou e com razão. Que linguagem antiquada era aquela? Tinha de se atualizar. Parece que groovy estava em alta. Isso, seria groovy. Excitante também era aceitável e colocar o prefixo super antes de qualquer coisa também se mantinha atual e muito jovem. Adorou a ideia e imaginou logo tag lines para enfiar nas conversas, do género:
– Claro que sim, super compreendo isso.
– Super aceito o livre arbítrio.
– Super gosto de marisco.
Bonifácio estava lançado. Lançado e tão mais ‘super’ satisfeito com o seu pelo púbico branco, agora já completamente camuflado com máscara à prova de água, um detalhe que achou da maior importância e absolutamente groovy. Apesar do agradável convite e de adorar a companhia de Cristina, Bonifácio preferiu partir sozinho e por lá ‘festivalar’ à vontade, sem ter de andar sempre atrelado ao casal Cristina+Namorado de 27 anos. O plano consistia mesmo em andar solto pela floresta, em modo Adónis, e conseguir (engatar era demasiado ordinário, e seduzir por de mais sério) também ele, uma garota. Preferencialmente, uma diferente para cada dia e outras tantas para a noite. Tinha de tirar o máximo partido daquele estado de graça groovy.
Encontrada a tenda, tapado com criatividade o rendilhado das traças, super recuperado todo o restante equipamento de campismo, adquirida a lista de bens essenciais – enlatados era o mais prático – e Bonifácio sentia-se preparado para a farra ou qualquer fim de mundo. Sim, na sua mente seria um festim de música e sexo e nem se preocupou com cabeças de cartaz, pois estava determinado a ser ele próprio a estrela da semana. Aquilo que mais o tranquilizava era ter todo um guarda-roupa renovado à sua nova qualidade de cinquentão super-jovem. Havia um blazer de fundo branco e padrão florido que fazia pendant não com umas clássicas calças, mas – e que soe agora o rufar dos tambores – com uns reduzidos e bem apertados shorts, que lhe disseram, naquela loja da moda em pleno Chiado, ser a grande sensação deste verão. Nem hesitou. Como cinto, uma faixa dourada. Camisas com andorinhas e outras com caveiras, t-shirts variadas e todas muito ‘de puta madre’, sapatilhas novas (só os velhos ainda dizem ténis), mas que já pareciam puídas pelo uso em festivais passados, jeans do mais justo em que se conseguiu enfiar e Bonifácio sentia-se lá em cima, no topo dos topos. Nos píncaros do que é ser-se jovem e moderno. No pináculo da atualidade. Bastava colocar a mão na sua nova bolsa de cintura, por vezes usada ao ombro, e nem se reconhecia, para seu enorme gáudio interior. Quase lhe estremeciam as entranhas, mas quanto a isso, poderia ser do bucho que tinha almoçado numa casa de pasto à beira da estrada, já como quando quem chega ao destino. Que maravilha que era aquilo de voltar a ser jovem.
Logo que se instalou, junto de uma tenda fúchsia – já ninguém cai no erro saloio de dizer rosa chock –, aquela que lhe garantia hormonas femininas por perto, Bonifácio foi de imediato adotado por um grupo com mais de uma vintena de jovens modernos. Tão modernos que lhe pareceram, inicialmente, muito porcalhões e molengões, tal era o seu grau de contemporaneidade. Fizeram-lhe a maior festa, que iria ser o mentor e grande inspiração para todos eles durante o festival e ele que não se preocupasse, pois seriam dias inesquecíveis na sua vida. Ficaram encantados com a sua tenda e deliraram com as fatiotas de Bonifácio. Logo que souberam o seu nome, passaram, de imediato, a chamá-lo apenas de Boni Taylor. Bonifácio delirava. Percebeu que tinha um charme e um carisma que fascinava os seus ‘pares’ juvenis. Por falar em pares, o primeiro contratempo foi conseguir despir as calças skinny que levou na viagem, uma vez que pararam a circulação sanguínea na parte inferior do corpo inchando-lhe de tal maneira os pés e tornozelos que foi preciso abrir-lhes duas rachas laterais – nas calças, claro – para que lhas conseguissem subtrair. Os colegas de ‘spot’ acompanharam toda aquela aflição com uma envolvência que não esperava de estranhos. Estavam a revelar-se autênticos amigos. Uma coisa como nunca antes lhe tinha acontecido. Eles queriam saber tudo sobre si, uma das miúdas já andava com uma das suas t-shirts – o que achou ser uma óbvia mensagem sexual – e logo na primeira noite esgotaram o enorme stock de latas de atum que Bonifácio levara para toda a semana. Simplesmente, não o largavam. Era Boni Taylor para aqui, Boni Taylor para acolá… Se ele sonhasse aquilo que andara a perder todos estes anos! Se ele, ao menos, soubesse… Mas estava muito a tempo de recuperar aventuras e reequilibrar a sua deficitária lista de engates.
Antes de avançarem para os concertos, o seu grupo, a que todos se referiam como a grupeta, tinha rituais sagrados, que vinham já de outros festivais. Ao chegar de um refrescante banho no rio, onde se lavara com champô e amaciador, para melhor moldar a sua indomável cabeleireira, percebeu que por aquelas bandas, o banho era meramente recreativo e não deveria cumprir propósitos higiénicos. Tomou nota mental da coisa para não repetir o provincianismo no dia seguinte. Na sua tenda, onde foi dar com duas raparigas nuas em práticas atrevidas, mas que não o aguardavam como deixaram claro, Bonifácio lá conseguiu, num dos outros quartos da sua Insólita 5.2, aperaltar-se com uma das suas indumentárias. Estrearia, logo para início das hostilidades festivaleiras, o seu fato florido de shorts minguantes. Sentia-se um arraso. Quando sai, encontra a sua grupeta disposta numa roda gigante, passando charros à velocidade da luz e shots à do som, de enormes arrotos e outras endiabradas alarvidades daqueles jovens livres, quase selvagens, e muito blasé. Todos riam imenso e os elogios ao seu visual deixaram bem claro o furor que não faria junto de toda a restante fauna. Os cinquenta, congratulava-se, eram mesmo os novos qualquer coisa. Só se aborrecia por ter de usar a sua bolsa de cintura ao ombro, já que o seu bem definido abdómen caía por cima da mesma ocultando a parte mais fashion da dita carteira, mas era um compromisso que assumia com coragem, desde que não a largasse ou não lha puxassem lá mais para o fim da noite, no aperto dos concertos.
Apesar de não ser homem de vícios, excluindo o muito recente de comprar revistas de moda, para se manter a par, Bonifácio claro que entrou na roda. Tinha de ser um igual. Tinha de pertencer ao grupo. De ser um daqueles jovens de espírito light e preocupações zero. Acima de tudo, tinha de… ‘conhecer’ (com tantas restrições linguísticas sobre como se podia referir de forma supermoderna às coisas, ficou-se pelo verbo conhecer – muitas miúdas. Bonifácio super aceitava as suas necessidades e estava pronto para a caçada, ou seria pesca mais indicado? Que se lixasse. Tinha ido ali em busca de juventude e sexo, principalmente sexo jovem e não sairia dali sem tudo isso. Só de cheirar a erva que a miudagem fumava, e já Bonifácio se sentia duas décadas mais novo. Se uma passa resultava nisso, imagine-se se fumasse um inteiro! Recuaria aos 20 anos, apenas para não ir mais longe. Teria sempre de ficar longe do berço, senão também seria patético.
Mal deu por isso e lá vieram os ‘bota abaixo’. Eram copos mínimos, aguentaria facilmente várias dezenas daqueles dedalinhos. Afinal, eram miúdos porreiros e até contidos no consumo de estupefacientes. Tudo era permitido, mas em doses liliputianas. Estava muito bem impressionado com o grupo onde, felizmente, a providência o tinha colocado. Já adorava aquela garotada toda. E cada vez mais. Tanto que brindou a cada um deles… algumas vezes. Estava feliz. Estava jovem e super amava a sensação.
Levantou-se quando já começava a sentir o fervilhar do ambiente festivaleiro e as batidas dos concertos a martelarem-lhe o cérebro. Verificou como estava. Tudo muito super OK, se bem que se sentisse um pouco dormente. Mas pronto para o resto daquela semana que iniciava uma nova etapa na sua maneira de ser e estar para o resto da sua vida. Olhou em redor e estranhou a ausência do seu grupo. Ou de qualquer outro. Ou, bem vistas as coisas, das restantes tendas que, ainda há segundos, rodeavam a sua e já lá não estavam. Teria sonhado tudo aquilo? Deviam ter ido todos a correr para os palcos, para assistir aos espetáculos… Mas, e a questão das tendas desaparecidas? E porque razão não o tinham alertado? E como não deu por nada? Que absurdo. De onde vinha o som? Não era música, era… Eram motores de carros e de camiões. Desmontavam os palcos. Todos estavam já de partida. Que estranho, mas se aquilo durava uma semana! Tê-lo-iam drogado? Foi a correr verificar todos os seus pertences. A Insólita 5.2 estava intacta e dentro dela nada faltava, à exceção da providencial despensa que levara para toda a semana. O festival seria apenas aquilo? Uma rodada de amigos, umas bebidas e uns fumos? Se lhe pedissem a sua opinião, que não pediram, Bonifácio dir-lhes-ia que não era assim tão divertido. Ainda para mais não lhe tinha saído barato. Mas foi uma experiência e tinha-o colocado mais perto daquilo que é, hoje, ser-se jovem. Teria ele esquecido tudo por causa das drogas e das pequenas doses de álcool? Uma hipótese muito louvável, que deixava em aberto uma outra: se calhar tinha sido muito feliz no sexo e apenas se tinha apagado tudo da sua memória sobrelotada de coisas novas. Podia muito bem ter sido isso. Afinal, tinha sido um sucesso.
Que Bonifácio e o seu desejo de juventude e doida ambição por sexo descomprometido com jovens adultas tinha dado brado, lá isso era inegável. Basta procurar pelas ashtags #bonitaylorrulls #reidokitsch #imperadordopedaço #badochaisinthehouse. A modernidade de Bonifácio, porém, não lhe ‘super’ permitia abrir esses portais para se poder orgulhar daquela semana em que ‘super’ dormiu o tempo todo, dominando as redes sociais e tornando-se o mais procurado do Youtube. Que durante uma semana foi líder dos diretos e que todos queriam vê-lo a fazer fosse o que fosse, principalmente a babar-se enquanto ressonava delicadamente. Ainda hoje há fãs a nível mundial do seu abdominal único, cuja dobra tapava quase por completo os seus reduzidos shorts. Foi uma ‘super’ pena. Tudo graças a um pelo púbico branco e a um corpo, afinal, nem por isso preparado para festivais. Ainda um enigma. No braço direito, ‘tatuada’ com batom, a seguinte inscrição: ‘Amo-te. Anabela Cristina’. Teria ateado apenas uma brasa ou provocado verdadeiros incêndios? Jamais ‘super’ o saberia.
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