Categoria: + Contidianos (Page 1 of 11)

Contidianos: Substantivo muito indefinido (porque definir já é delimitar), do género que mais aprouver (que somos por todos os tipos de liberdade), em número que se quer sempre muito pluralista (na medida em que quantos mais, melhor).  Sobre eles dizem os mais eruditos, e alguns tolos também: “Um Contidiano por dia, não sabe o bem que lhe fazia!”

A Corda – Acorda – Corada

Dentro do carro – que cumpria as funções de quarto de motel, bar, cinema, sala de concertos, café e qualquer outra valência necessária a amantes clandestinos – Ezequiel Eduardo olhava Vanessa Caetana com ternura. Não a fixava realmente, apenas repousava nela o seu olhar estático e imóvel ao ponto de desfocar o seu rosto, misturando um olho com o nariz e sobrepondo tudo nos lábios que desciam já para o pescoço. Ainda assim, era ela, mas sem ter de ser … Ler mais

Undo

Celina descobriu cedo como fazer undo na vida. Aconteceu por mero acaso. Sem calculismos ou premeditações. Aconteceu apenas, mas aconteceu logo na sua fórmula mais correta. De forma pura. Genuína. Autêntica. Era a receita original. Sem necessidade de aprimoramentos. Já lá estava tudo. Um sorriso dócil, um pedido de desculpas sincero, ou percecionado enquanto tal, olhos brilhantes de súplica fixos no interlocutor, lamentando ainda mais do que as palavras proferidas, e o mundo retrocedia, voltando ao ponto exato onde estava … Ler mais

P’ráli Estávamos as Duas

P’ráli estávamos as duas. Vistas de fora, apenas duas mulheres sentadas lado a lado. Possivelmente irmãs. Provavelmente familiares ou apenas amigas, que o amor acaba por nos tornar iguais na diferença. Vistas por dentro, dois trapos de gente. Coração apertado. Punhos cerrados. Cerrados de medo, não de fúria. Também de fúria, mas mais de medo. Um medo selvagem, primitivo. Uma tensão que prendia nervo, ossos e carne num aperto inconsciente, involuntário, primário. Por fora, calma, seriedade, olhar perdido no nada, … Ler mais

Pegaria a Vaca de Cernelha, se Preciso Fosse

Era chegado o momento. Não estava para aturar mais tudo aquilo. Uma chefe insegura, que se impunha pelo medo, gerido com insultos e humilhações públicas, rebaixando os funcionários a bel-prazer, em frente de toda a equipa, sem motivos substantivos para tal. E mesmo que os houvesse, todos merecem respeito, mesmo quando erram, mesmo quando não prestam. Gritar. Humilhar. Cuspir ódio sobre as pessoas só revelava o espírito mesquinho que habitava o cargo. Quanto mais insultava, menos valor colocava nas ideias … Ler mais

Deixar Passar o Momento – A Bicicleta Amarela com Franjas

Era o doce e extasiante travo da liberdade. Sem limites. Sem restrições. Sem moralismos. Sem reprimendas ou impossibilidades. Apenas o mundo à sua frente. Apenas ela e o universo. Uma astronauta na enorme aventura do espaço e do tempo. Só assim se é livre. Sem constrangimentos. Apenas vontade e caminho. Apenas ânsia de seguir. Só mais uma volta ao quarteirão. Mais uma ronda pelo bairro. As pernas doridas de tanto pedalar, mas nem sinal de abrandamento ou cansaço. Era livre. … Ler mais

Deixar Passar o Momento – O Seu Primeiro Não-beijo

Eduardo de pé. À sua frente. Dizia-lhe coisas lindas. Coisas que nunca ninguém antes lhe tinha dito. Eduardo não perdia tempo com adjetivos de beleza, cores de olhos e tons de cabelo brilhante que mudava de cor conforme a luz o moldava, entre o louro esverdeado no verão e o caju avermelhado no outono, quase chocolate nos dias de chuva. Eduardo sabia mais do que cores e harmonia. Ele falava-lhe de coisas que nascem dentro de nós e que nem … Ler mais

Deixar Passar o Momento – Era Para dividir

Os tremores. A comichão. As dores. A brutal ansiedade. A avidez. O apelo do desespero. A disforia. Passou o pacote. Janeco aquecia já a colher. Dividiriam. A meias. Não havia tempo para mordomias, nem seringas, ao que parecia.

– Falta muito?

A voz sumida. Cavernosa. Não a reconhecia. Era Janeco quem falava ou tinha sido ele? De quem era aquela voz? A quem faltava o tempo? Quanto tempo é pouco tempo quando falta o tempo? Janeco sempre mais funcional, a … Ler mais

Deixar Passar o Momento – Aquele Maldito Tarso

Lamentava muito. Profunda e insanamente. Lamentava tanto e tão sofridamente, que todas as razões da sua existência se tornavam nulas, o que remetia para o seu próprio nascimento. Porquê ter nascido? Lamentava-o agora, já tudo perdido e sem retrocesso, mas, pior do que tudo, lamentara-o no momento em que poderia ter sido diferente. No segundo exato em que poderia ter mudado o curso das coisas e com isso o rumo da sua vida. Tinha tido a chave na mão, rodado … Ler mais

O Sangue da Guerra e o Sangue Dela

Olhou mais uma vez para o cansaço exposto nos olhos ainda assim demasiado abertos dos filhos. O filho preso a si pelo cinto dos casacos. A filha, presa já só e apenas nos seus braços à custa de fé, que as forças tinham ficado lá atrás, no quilómetro cento e muitos daquela transumância forçada e desumana. Era apenas a vontade, mais do que isso, a necessidade, o pânico e o desespero que mantinham a criança nos seus braços e estes … Ler mais

Tudo o que Ficou por Fazer

É difícil de contabilizar. Impossível de enumerar. A memória não o permite. A vida não se compadece com essa aritmética, com as contas do que deveria e poderia ter sido feito a cada tomada de decisão, no lugar daquilo que de facto se fez ou mesmo daquilo que deixou de ser feito. Nada fazer já é decidir, já é optar, ainda que a inércia não tenha sido consciente, não tenha sido uma decisão de facto e apenas o resultado de … Ler mais

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