Categoria: + Contidianos (Page 3 of 12)

Contidianos: Substantivo muito indefinido (porque definir já é delimitar), do género que mais aprouver (que somos por todos os tipos de liberdade), em número que se quer sempre muito pluralista (na medida em que quantos mais, melhor).  Sobre eles dizem os mais eruditos, e alguns tolos também: “Um Contidiano por dia, não sabe o bem que lhe fazia!”

Tabaco, laranja e chocolate – Odor à Primeira Vista

A casa cheirava a tabaco, laranja e chocolate. Um tempero que rimava com o ar aparentemente boémio que a primeira impressão lançava sobre quem lá entrava no papel de noviço. Tornava inesperadamente agradável os primeiros segundos, aqueles em que o ar que entrava da porta da rua aberta diluía o cheiro, o qual, após fechada a porta, se tornava demasiado intenso e enjoativo para se pensar em algo mais, senão na vontade de mudar de cena e de ar. A … Ler mais

A Nova Mãe, Olhos Azuis, Falsidades e Miopia

Queria tanto que a mãe fosse diferente. Mais como as outras mães. Mais como as outras pessoas. Mais… Mais sofisticada, sem dúvida, e mais alegre também. Mais esperta e, já que estava nos ‘És’, também mais espirituosa. Com um humor mais requintado. Acima de tudo, mais graciosa e sensual. Porque não sexy? Mas isso já seria pedir demasiado aos anjinhos. Uma mãe, inevitavelmente, com melhor bom gosto e um guarda-roupa mais atual. Não suportava os ‘casaquinhos de malha’ de uma … Ler mais

CoroNostalgia – Será morrer pior do que não poder viver?

Passava os dias à janela. A ver o mundo. O mundo de quem passava por ali, que o resto do mundo passava noutros lados, por outras janelas. A sua dava para aquela estreia rua. Poucas pessoas, a caminho do trabalho, do café e das compras. Pessoas com crianças que as iam levar e buscar à escola. Isto quando havia escola. Agora, tudo se passava em casa. Havia o mesmo, as mesmas coisas ou parecidas continuavam a acontecer, mas de forma … Ler mais

Ela Era Estranha!?

Ela era… Era… diferente. Não, não era apenas diferente. Ela era estranha. Joaquim aguardava apenas decidir-se sobre se era uma estranheza boa ou má. Positiva ou negativa. Claro que ser diferente é bom. É positivo. Definitivamente positivo. Ser-se diferente é destacar-se dos outros, sobressair-lhes, ser-se mais notório e objeto de observação. Por vezes, certo tipo de diferença suscita mesmo admiração, ou inveja, mas isso depende muito da formação e do carácter de cada um. Diferente é estranheza domesticada. Ser diferente … Ler mais

Tira-Nódoas

Era apenas um nano-micro ponto de ínfimo tamanho, mas ainda assim demasiado e irritantemente visível na sua nova blusa de seda branca. Seda branca. A estrear. “Dá para acreditar?” Ester repetia a pergunta olhando fixa e agressivamente aquele bico de agulha. Não passava disso mesmo. Um quase nada. Não chegava à patente de gota, nem sequer de pingo. Apenas um nico, abaixo de sarda, abaixo de quase tudo, mas tão visível e incómodo, logo acima do peito, onde o podia … Ler mais

Ele Até Que É Simpático, Mas…

Confinamento obrigatório. Desconfinamento obrigatório. Teletrabalho obrigatório, ou talvez já somente sugerido. Já pouco importava. Tudo estava de pantanas. Dia não sei das quantas. O despertador que tocava na mesma às 6h30. A higiene matinal. A azáfama diária do pequeno-almoço e o café tomado antes das nove, hora a que ligava escrupulosamente o computador. Tudo para manter a ideia de normalidade de início de dia de trabalho. Tudo para recriar a ilusão mental de que nada de extraordinário ou excecional se … Ler mais

Obsessão Compulsiva, Uma Versão Simplificada… X 15

Na rádio, a voz de Vítor Espadinha, declamando estrofes numa canção dos Ornatos. Não permitiu que o distraísse. Faltava rodar a chave cinco vezes na fechadura da porta, perfazendo 15, seu número de eleição. Não que tivesse saído, longe disso, que o tempo era de clausura e bem que precisava de sossego, que o esforço de sair de casa era cada vez mais penoso. Queria apenas confirmar se, de facto, estaria corretamente trancado em casa. Mentalmente contava, quatro, três… Não … Ler mais

Covid-Todos

Sete pisos. Dois apartamentos por piso. Catorze casas. Catorze células, catorze indivíduos. Catorze. Isto, colocando apenas uma pessoa em cada fogo, tomando o seu exemplo de solteiro e de solitário. Vinte e quatro inquilinos menos um (já que Filipe não tinha companheira fixa), caso fossem jovens casais ainda sem filhos. Mínimos dos mínimos. Uma contabilidade simples, óbvia, mas que nunca lhe tinha ocupado os cálculos matemáticos. Nunca parou para fazer essa insignificante conta de somar. Interessava-lhe tão pouco que nem … Ler mais

Levar a Peito o Peito

Recolheu-se em casa e só então percebeu o estado em que esta estava. Como tinha permitido que chegasse àquele ponto? Por onde tinha andado que não tinha nem reparado no desmazelo em que a sua casa estava? Vazia, empoeirada, com cheiro a mofo e solidão. Ao abandono. Quanta incúria! Paredes despidas, estores baixos. Uma escuridão bafienta e cega. Uma escuridão dolorosa. Como único elemento decorativo uns sinistros cortinados escuros. Castanhos, achava recordar. Já nem se recordava onde os tinha comprado, … Ler mais

Para Sempre

Ele sussurrava-lhe coisas ao ouvido. O sussurro era agradável e até ligeiramente excitante, mas as palavras eram estranhas e absurdas. Que não havia no mundo mulher como ela. Que tinham sido concebidos um para o outro. Que iria amá-la para sempre. Que ninguém mais a amaria como ele a amava. Falava de destino e plenitude. O sorriso dela ia-se desvanecendo na proporção exata em que se exacerbavam calamidades na boca dele. Ele assustava-a com tanta fatalidade. Narrativas absolutas eram vãs … Ler mais

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