Ele – Demoras? Espero por ti lá fora.

Ela – Ok. Estou, mesmo, mesmo a sair.

Ele – Já disseste isso três vezes…

(Dez minutos depois)

Ela – Já estou pronta, vamos? Fui só confirmar se as portas estavam fechadas.

Ele – Mas eu já tinha feito isso, só perdes tempo, se voltas a repetir as mesmas coisas que me pedes para fazer.

Ela – Fui só confirmar e ainda bem. Duas estavam mal fechadas e a janela pequena, das traseiras, semiaberta. Vês?!, como é sempre bom confirmar?

Ele encolhe os ombros e dirige-se para o carro. Nisto, volta atrás e diz:

– Esqueci-me da carteira, e onde é que pus o carregador do telemóvel?

Ela – Ainda vou ter de esperar por ti?!

Ele – Venho já, vai para o carro, toma a chave.

(…)

Ela – Ligou-me a Maria. Bolas, estava a ver que não se calava, com isto e mais aquilo! Queria saber se sempre vamos com eles no sábado…

Ele – Sábado?

Ela – Não me vais dizer que te esqueceste?

Ele – Do quê?

Ela – Como podes não dar ouvidos ao que quer que seja que te diga? Já to perguntei umas três vezes, há mais de 15 dias…

Ele – Oh, dizes-me as coisas com tanta antecedência! Não imaginas tudo aquilo em que tenho de pensar e que tenho de decidir e que exige a minha atenção…

Ela – Até parece que só tu é que tens assuntos a rondar o teu cérebro, que mais ninguém no planeta tem uma vida complicada, cheia de compromissos e dead lines… Por isso há agendas e lembretes e telemóveis. Eu não sou um deles, por isso, vê se começas a dar atenção ao que te digo, pareço um disco riscado. Queres vida mais stressante do que a minha?

Não fazes pisca? Temos de virar na próxima.

Ele – Mas, então, o que há sábado?

Ela – Aquele jantar, em casa dos pais dela, que celebram 50 anos de casamento, diz que fazem muita questão que vamos.

Não desfizeste o pisca.

Ele – Ah, sim. É já este sábado? A que horas?

Ela – Porquê? Nada temos para fazer…

Ele – O torneio de futebol foi adiado para este sábado, por causa da equipa espanhola, questões de voo e logística…

Ela – E só agora é que me dizes? Não sei como vais fazer, mas já tínhamos dito que sim, tu próprio achaste que seria absolutamente indelicado não irmos, nem penses que vou aparecer sozinha ou, pior, que não vamos. Desenrasca-te.

Ele – Devo estar despachado por volta das 21h, deve dar, não?

Ela – Não sei, não é?! Vou ter de voltar a falar com ela. Bolas, pá!? És sempre a mesma coisa. Devias ser tu a ligar-lhe, já que o impedimento é da tua parte.

Ele – Mas ela é que é tua amiga.

Ela – O que é que isso quer dizer? Ao fim de sete anos, não és também já amigo dela e do Pedro? Divertimo-nos sempre imenso com eles…

Ele – Sim, sim, mas parece-me melhor seres tu, foi a ti que ela fez o convite.

Ela – Devias saber como é falar com ela ao telefone. Ao vivo é bem melhor do que quando pega no telefone. Não se cala. Não deve ter coisas para fazer, nem em que pensar. Parece uma reformada. E quando começa a falar do trabalho, então… É um inferno! Ela conta tudo, tim-tim por tim-tim, como se não soubesse abreviar uma situação, resumir uma conversa. Conta-me, em discurso direto – juro que é verdade – conversas de escritório. E eu disse, e ele respondeu e, aí, eu fui logo avisando… Não conheço outra pessoa assim. É a loucura! Eu sei o nome de todos os colegas dela, que cargos ocupam e com quem se parecem, e nem sequer os conheço.

By Ricardo Domínguez Alcaraz

Cuidado com a passadeira. Tu conduzes tão, mas tão mal e revelas respeito zero por quem anda na passadeira. Porque não abrandas, o que é que julgas que estás a fazer? Ias atropelando a pobre coitada.

Ele – Que exagero. Eu abrandei…

Ela – A ideia não é essa, é parar e deixar as pessoas atravessarem em paz, e não manter o carro a andar, pressionando, intimidando… A condução diz muito sobre o civismo de cada um e o teu simplesmente não existe, sabias? É lamentável.

Ele – Exageras sempre.

Ela – Sim, sim, és a pessoa mais egoísta que conheço. Agora ainda vou ter de aturar mais meia hora a falar com a Maria. Acho que lhe envio apenas uma mensagem, mas aposto que logo que a veja, me liga de volta em vez de, simplesmente, responder por texto. Ninguém fala como ela. Eu não falo tanto, pois não? A sério, diz-me que não, caso contrário corto já aqui os pulsos.

Ele – Não. Mas falas mais do que eu.

Ela – Claro, porque tu não falas. Chega a parecer que não sabes. Mas a Maria fala de tudo e mais um par de botas e com detalhes, e adjetivos e com descrição de paisagens e indumentárias. Isto mesmo durante o dia, no trabalho. Quem estiver por perto achará que é louca. Já tu, pareces uma múmia. Se não te fizesse perguntas e interpelasse, acho que passarias dias sem me dirigir a palavra. É até desrespeitoso. Nunca tens seja o que for que me queiras perguntar? Saber?

Ele – Claro que sim, mas tu dizes-me sem ter de te perguntar…

Ela – És mesmo irritante, caramba! Nunca abres a boca e quando falas pareces um tolo. As pessoas casam-se para partilhar. Sabes o que isso significa? Se eu fosse como tu, já nos tínhamos divorciado há que séculos.

Ele – Se eu fosse como tu nem sequer nos tínhamos casado.

Ela – Que romântico! Mas tens toda a razão. Adoro-te por seres como és. Eu não me suportaria.

Cuidado! Olha o sinal? Tu não viste o sinal vermelho? És completamente louco!

Ele – Estava amarelo.

Ela – Estava amarelo há 20 metros, altura em que deverias ter abrandado para parar e não continuado como se estivesse verde. Não admira que as multas se acumulem.

Ele – Multas, plural?

Ela – Sim, passas a vida a ser multado e sempre por disparates como excesso de velocidade e sinais vermelhos. Achas normal, num homem adulto, a falta de respeito que demonstras na estrada? Nem sequer és inteligente, porque quem paga as multas somos nós e quem fica sem pontos és tu. Depois, quando já não puderes conduzir, não esperes que te sirva de motorista. Vais fartar-te de andar a pé, disso podes ter a certeza.

Desliga o pisca, não suporto esse barulho. Mas tu não te concentras na condução? Não ouvias o pisca?

Ele – Não.

Ela – Pois, parece que não ouves lá muita coisa. Olha, é a Maria. Vou ter de atender, que chatice!???? Atende tu e diz que estou no outro telefone. A ti ela não vai maçar tanto.

Ele – Eu?! Nem penses nisso. Não queres que eu fale ao telefone enquanto conduzo e agora já não te importas?

Ela – É verdade, para aí à frente. Olha, toma, vou atender.

Ele – Olá Maria! Estás boa? (…) A Joana, agora, não pode atender, está a falar no outro telemóvel, mas é sobre o jantar de sábado, certo? (…) Sim, mas apenas conseguimos estar lá por volta das 21h, há problema? (…) Ótimo, ótimo! Fica, então, combinado, certo? (…) Então até lá. Beijos (…) Beijos, tchau.

Ela – Vês, não custou assim tanto. Se tivesse sido comigo, estaríamos a falar até Grândola.

Ele – Queres ir por qual ponte?

Ela – Eu cá não arriscava a 25 de Abril. Há sempre trânsito. Já não depende dos dias da semana ou dos meses, ou horas do dia. Seja pelo que for, há sempre tráfego como se fosse dia de festival de música no Meco.

Deixa os comandos do ar condicionado e do rádio em paz. Concentra-te!

Ele – Mas queria passar pelo Colombo, para ver se levava já daqui a lente para a câmara fotográfica. Assim, quando chegássemos já tínhamos isso resolvido.

Ela – Se já tens isso decidido, porque me perguntas? Mas eu não arriscava a 25 de Abril, já sabes.

Ele – Sim, mas depois do Colombo, o mais prático é a Vasco da Gama.

Ela – Tu é que sabes!

 

Trava!!! Não estás a ver que está tudo parado à tua frente? O que é que se passa contigo? Tu não viste que o carro estava a travar? Aliás, que toda uma fila de carros à tua frente parou?

Ele – Como é que achas que eu sobrevivo quando não vens comigo no carro?

Ela – Com enorme dificuldade, dá para perceber. Ainda nos matas. Vou fechar os olhos, pelo menos, assim, não vejo.

Ele – O Jorge ligou-me.

Ela – Ai, sim?! Acordou para a vida, foi?

Ele – Ligou-me e pelo tom de voz e desânimo, fiquei a perceber que as coisas não lhe correm lá muito bem.

Ela – Olha para a estrada. Porque é que precisas de olhar para mim quando falas? Estou mesmo aqui ao lado, estou a ouvir, porque tiras os olhos da estrada? Concentra-te no que estás a fazer. Conduzes tão mal!

Ele – Não ias de olhos fechados?

Ela – Sim, mas percebo o som da tua voz a virar-se de cada vez que falas… É muito irritante. Parece que estás num filme. Nos filmes é que nunca olham para a estrada, mas tu não estás a ser filmado. Podes continuar sossegado a olhar para a frente. Não precisas de mais distrações do que as que já te são naturais, mais ainda a tua falta de respeito por quem mais anda na estrada.

Ele – Vir de carro contigo é insuportável.

Ela – Imagina o que diria eu, isto parece uma roleta russa ao volante.

Olha o Stop!!!

 

Ele – Volta lá a fechar os olhos. Sabes que te amo até de olhos fechados.

Ela – Mas, então, o que te disse o Jorge para ficares com essa ideia de que está infeliz?

Ele – Foi mais pelo que não disse.

Ela – Vocês, homens e tudo aquilo que não dizem. Deviam aprender a deitar tudo cá para fora, só vos fazia bem.

Ele – Tudo, tudo, não, pois torna-se cansativo.

Ela – Que engraçadinho! Mas o que é que ele não disse?

Ele – Ele costuma ser sempre muito efusivo e faz sempre umas brincadeiras. Pergunta sempre o que ando a fazer e depois avança sempre, dizendo que tipos de sorte como eu não fazem, mandam fazer… Sei lá! Desta vez, só queria saber se conheço algum contabilista de confiança, que pudesse recomendar-lhe. Tudo muito sério.

Ela – Talvez estivesse com alguém…

Ele – Não, ele não se intimida com quem quer que seja. É sempre demasiado natural para calculismos ou diferença de trato por alguém estar a ouvir. Não sei, achei que havia ali algo mais.

Ela – Será que se vai divorciar da Luísa?

Ele – Aí, precisaria de um advogado…

Ela – E de um bom contabilista também, por causa das empresas, que ele é divertido, mas não é parvo.

Ele – Sim, parvo é que o Jorge não é.

Ela – Olha a saída, deixaste passar a saída, mas tu não consegues manter-te atento à estrada? És uma lástima ao volante…

Ele – Bolas, nunca te enganaste?

Ela – Tantas vezes de uma só vez, num único trajeto de meia dúzia de quilómetros… Deixa ver… não!

Ele – Vou parar e levas tu o carro a partir daqui. Estou farto desse relato à minha condução.

Ela – Não, não, agora levas tu, pois não fui eu quem decidiu este trajeto, por causa de não sei o quê de uma lente. Eu não estou a precisar de lentes.

Ele – Mas está a tua câmara fotográfica.

Ela – Não é caso de vida ou de morte, pelo que, ainda para mais agora que te enganaste…

Ele – Mas vou mesmo ter de lá ir, ficou encomendada e guardavam-ma, o mais tarde, até ao fim do dia de hoje, mas depois levas tu o carro.

(…)

Ela – Não te esqueças de acionar a Via Verde no estacionamento. Mas porque é que ficaste logo no primeiro piso? Não sabes que depois vamos ter de descer ao menos dois, para voltar a passar por baixo da Segunda Circular?

Ele – E, então, à saída logo fazemos o que for preciso..

Ela – Ficávamos já no piso correto, escusávamos de andar às voltas depois. Não estacionas de traseira? Ficávamos logo prontos a sair…

Ele – Mas é exatamente a mesma coisa.

Ela – Não é… Não travaste o carro, reparaste, ao menos, nesse ‘por-me-nor’?

Ele – Queres ficar aqui ou vens?

Ela – Demoras?

Não – É só o tempo de entrar, perguntar e, caso já a tenham, de pagar.

Ela – Então, fico, mas não te demores. Aliás, vou, os subterrâneos deixam-me sempre um bocado maldisposta, por causa do monóxido de carbono. Aproveito e bebo um café e vejo umas lojas…

Ele – É para despachar, não é para andar a ver montras.

Ela – Isso disse-te eu, olha para ele. Quer dizer, tu podes e eu não posso? Quando estiveres despachado, liga-me.

(…)

 

Ele – Estava a ver que não vinhas. Até já estava com saudades da tagarelice.

Ela – Imagina que encontrei a Margarida e, olha, foi um fartote de pôr a conversa em dia.

Ele – E que fartote. Assim, já não vamos chegar a horas!

Ela – Ai, sim?! E de quem é a culpa? Conseguiste a lente, ao menos?

Ele – Não. Só chega ao final do dia.

Ela – Eu bem te disse que não devíamos ter vindo aqui.

Ele – Agora levas tu o carro, ok?

Ela – Não, que não estou lá muito bem-disposta. Os centros comerciais, tu sabes, deixam-me sempre zonza.

Ele – Fazes sempre isso.

Ela – Isso, o quê?

Ele – Implicas com tudo aquilo que faço e quando te é dada a chance de brilhares ao volante, por algum motivo, nunca podes, ou não queres…

Ela – Cuidado!!! Não vês que perdes a prioridade ao sair de um estacionamento?! Bolas, que perigo que tu és! Deviam obrigar-te a tirar de novo o código, aliás a fazer tudo de novo para manteres a carta… E deixa de mexer nos botões do carro. Mantém os olhos na estrada.

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