Aquele era um mês atípico para José Bandalho. Correção, aquele era um dezembro atípico na vida de José Bandalho, ou, para os poucos amigos, Zé Bandalho, ou apenas e tão simplesmente Bandalho, já que era comum na sua empresa utilizar-se apenas o apelido, exceto no caso da maioria das mulheres. Como não era esse o seu caso, e tinha apreço pelo toque militar desse trato, orgulhosamente, Bandalho ficou. Ora, todos os anos, Bandalho guardava religiosamente o último mês do ano para agendar o ano seguinte. Um agendamento vital e que exigia muito do seu tempo, da sua memória, da sua capacidade organizativa e que implicava passar em revista e com exímio rigor todas as anotações de anos anteriores. Falamos de livros e livros de notas, muito mais complexos do que diários de um qualquer sociopata, nos quais Bandalho anotava, com método e disciplina, toda e qualquer desculpa que já tivesse apresentado para as suas crónicas faltas ao trabalho, as quais lhe permitiam ‘gazetar’ durante nove meses todos os anos. Tinha começado, há já 20 anos, com um plano para seis meses, mas logo se aborreceu, além de que percebeu que era fácil esticar esse período de ‘lazer’, por assim dizer, para os nove meses anuais. O que era particularmente fácil nas empresas maioritariamente femininas, já que cedo constatou que o zelo, dedicação e profissionalismo delas era tanto que sobejava do esforço feminino mais do que o necessário para colmatar as suas faltas ou mesmo falhas. Tinha, por isso, apreço por escritórios em que a maioria dos funcionários eram mulheres. Redações de jornais e revistas eram, agora, um dos seus alvos favoritos, já que estavam minadas de laboriosas ‘elas’. Um encanto. Uma perdição.
Porém, este mês de dezembro, que sempre aguardara com carinho e expectativa, pois nele expressava toda a sua criatividade, diferia de todos os outros. Sentia-se cansado e aborrecido e só de olhar as dezenas de cadernos de anotações, todos de capa preta e calibrados no tamanho e espessura, que tinha de passar em revista, sentia-se esmagado. Não compreendia. Seria da hercúlea missão, todos os anos mais trabalhosa, ou da porcaria da idade? Não era assim tão velho quanto isso, por amor da santa! Ainda estava longe dos 50, a dita metade da vida… Não compreendia e começava a entediar-se de ter de trabalhar para si quando nunca tinha trabalhado fosse para quem fosse. Sabia, porém, quão urgente era embrenhar-se naquela tarefa. De um bom planeamento resultaria quase um ano ao laréu e isso trazia-lhe sempre, e ainda trazia, um largo sorriso de satisfação aos lábios. Lá teria de ser.
Tinha de começar por mandar limpar ou lavar, consoante o caso, todos os casacos, das diferentes estações, que mantinha nas costas da cadeira no seu posto de trabalho, e que, aos mais distraídos – principalmente em empresas grandes – passavam a mensagem de que já tinha chegado, aliás, antes de toda a gente, e que seria o último a sair, não obstante nunca ter chegado a entrar, sequer. A mentira, para quem aspira à perfeição, exige rigor e uma mente em constante alerta. Depois, era preciso organizar os casacos por ordem no roupeiro, a fim de serem substituídos a cada duas semanas na cadeira da sua secretária. Tinha uma ótima seleção de blazers e cardigans para esse efeito e até uma gabardina ruçada para os dias de chuva.
Como não gostava de se levantar cedo, estava até desaconselhado pelos médicos a fazê-lo, essa tarefa fazia-a à noite, ou ao fim de semana. Mas ficava-lhe caro, pois implicava mais umas desculpas aos seguranças da empresa, a quem levava sempre um snack, ou uma garrafa de algo espirituoso, ou uma grade de mínis… Dependia do tipo que estivesse de serviço. Quando eram mulheres seguranças, que maravilha! Um simples galanteio era o suficiente, que elas aborreciam-se mais do que eles no ofício da vigília, além de que achavam sempre que ele era um workaholic, para aparecer na empresa fora da hora de expediente, sem fazerem a mínima ideia de que eram os únicos e raros momentos em que lá ia. Eram todos tão parvos, admitia amiúde de si para si. Como a vida era fácil para génios como Bandalho.
Tratados os casacos, era preciso manter o fio à meada acerca do que se ia passando a nível interno na empresa em que estivesse a trabalhar de momento. Se tinha havido promoções, quem coordenava agora a sua área, quem deveria engraxar, a que escritórios deveria aparecer naquela hora da semana que tirava para aparecer no trabalho… Este era um ponto crucial, talvez o único a que jamais faltava. Se aparecesse, a propósito ou sem ele, no escritório de um superior sempre com questões laborais, pertinentes ou não, os ‘comandos’ de decisão jamais achariam que ele não estava na empresa nos restantes dias da semana. Por isso era tão vital para o seu método não descurar as hierarquias e ter alguma habilidade na ‘lambebotice’: nem demais nem de menos. Era esse o seu lema.
Não menos importante era manter boas relações, de amizade se possível (mas sem intimidades que exigissem entrar no seu núcleo privado), com os colegas mais próximos da sua área laboral. Era sobre eles que recairia a sua parte do trabalho e tinha de poder contar com a sua boa vontade e palermice, as quais tinham de ser alimentadas. O melhor adubo era apresentar uma vida de miséria e má fortuna e uma saúde debilitadíssima, além de problemas conjugais sistemáticos. O efeito que isso surtia, mais uma vez, no feminino! Uma mulher controladora e ciumenta, por vezes mesmo violenta. Um ou outro irmão toxicodependente, um familiar preso e um dos pais acamados.
Neste emprego, a receita era uma mãe demente, qualquer coisa da família do Alzheimer, um pai violento, com dificuldade em aceitar e compreender a doença da mulher, e uma irmã promíscua, com sete crianças menores que acabavam por estar à responsabilidade do coitado do Bandalho, um santo tio a quem todos os sobrinhos deviam uma infância decente. Só entre idas às escolas, mais festas de Natal e recitais de música tinha garantidos três meses de folguedo. Isto sem contar com viroses e outras doenças típicas da miudagem e chamadas à escola por conta de desacatos. Um bom meliante necessita de uma família numerosa e isso tinha-o aprendido da pior maneira, ainda na escola, onde num ano apenas tinha ido ao funeral de oito avós, o dobro, portanto, do permitido pela lei biológica. Serviu-lhe de emenda, não obstante não ter chumbado por faltas. Pelo contrário, processou a escola sob o pretexto de não aceitarem relações de afeto ao nível das familiares com vizinhos idosos e solitários, a quem prestava todo o auxílio que os próprios familiares lhes recusavam. Sim, ele chegava-se à frente com veemência sem necessidade de laços sanguíneos. Ainda viu as notas serem beneficiadas por mérito social. Aí nasceu uma estrela e o vício da mentira, uma patologia como qualquer outra, desculpava-se Bandalho, nos raríssimos nanossegundos em que questões morais roçavam o seu cérebro ocupado.
Ao longo dos anos, novos avós lhe morreram, já que ninguém pede prova da morte de alguém e obter um comprovativo de ausência por motivo de morte é facílimo. Basta aparecer num funeral e meter conversa com o pessoal da agência. Nem é preciso entrar na capela ou casa mortuária. A vida é mesmo simples, para quem queira pensar nela. O problema é que são todos um bando de preguiçosos, ninguém se dá ao trabalho de exercitar a sua mente. Mas Bandalho, não. Dedicava-se com esmero aos seus esquemas e pequenos guiões de novela. Tinha até desenvolvido tiques físicos e de dicção próprios de algumas doenças e de pessoas propensas à depressão. Alguns eram do foro obsessivo-compulsivo, outros menos elaborados que exigiam apenas que tomasse doses assustadoras de comprimidos.
Mas atenção, a medicação não era para ser tomada à frente de toda a agente, como uma simples representação. Requeria-se uma estudada encenação e toda uma mise-en-scène que resultasse num grande ato de dramatização: ser visto pelo maior número de pessoas enquanto tomava a sua ‘medicação’ – tic-tacs, que lembram aqueles comprimidos pequeninos que associamos a grandes problemas, e pastilhas para a tosse ou mesmo aspirinas, eram os seus prediletos –, em locais onde teria de parecer que se escondia precisamente para a tomar sem ser visto. Não basta ser bom, há que ser genial.
Questões com as finanças eram outra das suas especialidades. Chegava a ler o Diário da República e grandes tratados de direito a fim de desenvolver casos rocambolescos em que o mero atraso no pagamento de uma multa levava a sessões contínuas em tribunais de todas as instâncias e comarcas. O que é que julgam? Bandalho era um profissional. Jamais se poupava a esforços. O mais exigente dos quais implicava envolvimentos emocionais, nem sempre agradáveis. Tudo porque há uns anos, confrontado com um chefe do pior, mesquinho e dado a controlos desmesurados dos horários de todos os funcionários, tinha feito uma descoberta fenomenal. Sem plano prévio, e perante acusações graves sobre faltas injustificadas e tarefas de responsabilidade não cumpridas e atiradas para debaixo do tapete, foi salvo no último minuto – tal como nos filmes de cowboys – por uma colega gorda e míope que intercedeu a seu favor, desvendando um falso mega complô de colegas invejosos que agiam contra Bandalho, por este ser demasiado rigoroso.
A gorda míope, cujo nome estava a anos luz de recordar, imagine-se, estava secretamente apaixonada por si e correu todos os riscos, incluindo o seu próprio despedimento, para salvar a pele de José Bandalho. Recorda-se de ter ficado siderado por não ter pensado ele próprio nessa ‘ferramenta’ de trabalho: usar mulheres frágeis e solitárias como parceiras de crime. Quer dizer, parceiras, parceiras, não seria o termo. O mais correto seria cobaias de trabalho. Ratinhos brancos de laboratório, a quem passou a dedicar algumas horas do seu parco expediente com elogios e falsos amores. O extra de tudo isto? Sexo gratuito e, da sua parte, absolutamente descomprometido. Era o paraíso na Terra. O mais chato é que necessitava de horas de observação e muito latim para descobrir, em cada emprego, a solitária mais carente e necessitada de afeto. Depois, era só ir desenrolando a bula das suas misérias e azares que o impediam de ir trabalhar. Elas próprias se voluntariavam para cobrir as suas ausências. Aquele era um filão de diamantes que não se cansava de explorar.
Não se pense, porém que não tinha de trabalhar. Era sempre necessário cumprir 10% do exigido, mas também não mais do que isso, para não habituar mal o patronato. Era o que faltava, já era tão explorado com impostos e horários mesquinhos e despropositados. Oito horas de trabalho diário? Então, e quando se vivia? Somos escravos, por um qualquer macabro acaso? Lutar contra a opressão do patronato era o seu grande propósito na vida e cumpri-lo-ia até ao fim.
Eventualmente, ao cabo de uns anos, acabava por sair dos vários empregos, quase sempre por já estar farto do romance ou romances que tinha de manter para preservar o emprego. Quando as mulheres começavam a dar-lhe mais trabalho ou a exigir-lhe mais afeto do que aquele que estava disposto a fazer e a dispensar, bye, bye love. Era simples. Chorava, dizia-se destroçado, mas a morte de X ou Y implicariam a sua partida, ou a doença trágica de um filho, ainda por nascer, exigiriam toda a sua atenção e mais blá, blá, blá. Por isso era vital nunca se envolver verdadeiramente nem deixar que elas ou quem quer que fosse se aproximasse da sua casa, para evitar rabos escondidos. Nunca tinha sido desmascarado. Daí a necessidade dos seus caderninhos, com informação preciosa toda esquematizada, com datas rigorosas, nomes de chefias e colegas, desculpas utilizadas, razões apresentadas… Tudo. Claro que, com os tempos difíceis ao nível do mercado de trabalho que se vivem, e com muitas empresas onde não queria ou não podia regressar, já que ao cabo de mais de 20 anos, algumas pessoas tinham topado os seus esquemas e má fé, a tarefa de se manter a par do seu passado laboral era cada vez mais exigente. Não apenas a informação tinha de ser rigorosa, como tinha de manter um dossier atualizado de desculpas plausíveis e documentos comprovativos. Certidões de óbito (sempre mais difíceis de conseguir) eram necessárias para casos, ironicamente, de vida ou de morte; atestados médicos que servissem para um leque alargado de problemas de saúde; caixas de medicação atualizada (as farmacêuticas cediam com frequência à mudança de nomes e à alteração de rótulos e da ‘roupagem’ das embalagens, havia que estar atento); manter em dia o álbum de fotografias, preferencialmente selfies que atestasse um rol de mentiras: com um jarrican na mão, a caminho da bomba de gasolina mais próxima com roupa de inverno e com roupa de verão, para quando dizia que tinha ficado sem gasolina (que depois postava com ar triste nas redes sociais); a entrar para uma ambulância, com cara de intoxicação alimentar; junto de casas a arder, para quando alegava explosões de gás em casa… Era um trabalho exigente e tão melindroso como uma operação ao sistema nervoso central e que nenhum neurologista o viesse cá contrariar. Não deixaria.
Claro que parte destas tarefas era executada no próprio local de trabalho, uma vez que em casa não rendia tanto. Por tudo isto, no início deste mês de dezembro, se sentia Bandalho tão sem forças para avançar. Iria acionar um dos planos agendados para o ano em curso, para poder ir recuperar forças para um qualquer restaurante da moda. Precisava de ver gente gira para ganhar ânimo e energia para organizar o próximo ano. Uma agenda que teria de levar em conta as sensibilidades do pessoal dos recursos humanos da empresa onde agora trabalhava e que, gostaria, teria de ter algumas novidades, algumas mentiras ainda não testadas. Sempre era uma maneira de o manter ativo e disso fazia sempre questão: de ter novidades. Estava prestes a ‘desmaiar’ de fraqueza, devido ao cansaço e à loucura resultante dos cuidados diários que dispensava à mãe com demência – desmaiar era, de resto, uma das suas especialidades, de tal forma que a encenação do desmaio o levava, por vezes, a desmaiar de facto, tal era a sua entrega –, quando recebe um telefonema que estupidamente atendeu. Estava convocado para ir ao gabinete do novo CCOPB para uma reunião com o próprio e com a diretora-executiva da empresa. CCOPB? Que raio de siglas atrás das quais os mandões das empresas escudam as suas incompetências e trafulhices, pensava Bandalho enquanto, contrariado, lá subia ao último andar. Que maçada, as chefias ficam sempre nos pisos superiores. Querem que, desde logo espacialmente, os pobres trabalhadores saibam a cada momento quem está na mó de cima. Tanto fazia, não trabalharia mais nesse dia, já o tinha decidido, além de que já estava há cerca de 40 minutos na empresa, tinha mesmo chegado a horas, nove em ponto, e já estava a sentir uma certa claustrofobia. Desmaiaria no próprio gabinete do coiso e tal, como é que era mesmo? CCOPB. Mal entrou na antecâmara que antecede o escritório propriamente dito e onde foi recebido por uma secretária, e teve um dejá vue. Isso deixou-o bem-disposto, pois não se recordava de quando tinha tido o último, tão raros que eram na sua vida adulta. Talvez por ser uma vida rica e cheia de stress. Não só isso, era uma vida de perigos. Certa vez, mandado para o estrangeiro, numa viagem de trabalho de enorme responsabilidade com um cliente importantíssimo, tinha viajado para um país vizinho, onde passou uns merecidos dias de férias com tudo pago. Mentir à empresa foi facílimo, informou que o cliente se encontrava hospitalizado, mas que aguardava à porta do hospital até ele o poder receber. Estava tudo controlado, não fosse o estúpido do homem ter telefonado diretamente ao patrão de Bandalho, por estranhar a ausência do vendedor, que era suposto ter chegado há 15 dias.
Porque se metem nas coisas diretamente? Tinha tudo arranjado com as secretárias de ambas as empresas e o idiota tinha de ligar diretamente. Claro que escapou ileso, mas teve de jogar a sua cartada mais alta, aquela que guardava para um caso grave. Nem pestanejou, informou que tinha ‘desertado’ a fim de cumprir a sua missão nesta vida: mudar de sexo. Dava agora pelo nome de Josefina Bandalha e tinha vergonha de regressar a Portugal. Entrou em acordo com a empresa, que ainda lhe deu uma indemnização extra, solidária com a sua coragem. Nunca mais se esqueceu do nome do chefe, importava não voltar a cruzar-se com ele enquanto homem. Estava tudo registado num dos livros de 2013, ano da sua alegada mudança de sexo. Por acaso, ainda bem que era dezembro, altura de rever tudo isso.
Chegado ao destino, Bandalho aguardou que a secretária o mandasse entrar, o que ainda demorou uns 15 minutos. Tempo precioso pensou. E se desmaiasse ali mesmo, ponderou? Nisto, recebe indicação de que é aguardado. Tal como um camaleão, enquanto se dirige à porta do gabinete, vai programando uma certa palidez, a qual exige um elevado grau de concentração, que lhe reduzem a visão periférica e a audição, mas que resulta na perfeição. Estava já na fase cinzenta do processo, a qual se faz acompanhar de um revirar de olhos quando o dejá vue volta a dar sinais de existência. Havia qualquer coisa naquelas fotos de funcionários da empresa que suscitava episódios do passado. Ou seria do futuro? Não se incomodou. Não atrasaria o planeado por nada deste mundo, nem por coisa alguma do outro mundo. Mas foi precisamente deste último universo que lhe pareciam vir aquelas vozes e aqueles rostos que se debruçavam sobre o seu corpo, já inerte no chão. Já tinha ouvido falar em karma, com quem, de resto, sempre tudo tinha feito para não se cruzar, mas aquilo era ridículo. Descobriu, pela placa exposta sobre uma das secretárias que CCOPB queria simplesmente dizer: Chefe Com Olho Para Bandalhos, e recordam-se da gorda míope e do patrão, para quem tinha mudado de sexo? Pois eram eles. Ambos, os dois.
Ambos, os dois. Ela ainda mais gorda, ele ainda mais chefe. Riam-se. Diziam coisas sem sentido, que o perseguiam há anos, que agora não lhes escapava, que conheciam pessoas da sua laia, que agora iria saber o que era trabalhar das nove às nove e que… Desmaiou. Desmaiou mesmo. Não merecia de forma alguma aquilo. Processá-los-ia. Claro que sim. Por assédio moral, por exploração, por serem feios, por qualquer coisa. Eles veriam. Mas como se tinha deixado apanhar daquela maneira? Como é que nunca se tinha cruzado com eles na empresa? Logo os dois! Bom, talvez porque, em três anos, era apenas a quinta vez que lá ia, seguramente isso não ajudava. Mas, bolas, cinco dias em três anos até era uma boa média, pensava. Todos estes pensamentos entraram pelo desmaio dentro. Quando acordou, descobriu uma placa com o seu nome sobre uma secretária que ficava entre a da gorda míope, agora diretora executiva, e a do CCOPB. Descobriu que a sigla tinha sido pensada à sua medida e queria apenas dizer: Chefe Com Olho Para ‘aquele’ Bandalho específico e que a gorda míope estava cada vez mais libidinosa.
Despedir-se-ia, decidiu, mas isso foi antes de lhe relerem o seu contrato de trabalho. Tinha assinado tantos na vida que nunca se tinha dado ao trabalho de o ler. Na verdade, nunca se tinha dado ao trabalho, ponto final. Dele constava uma cláusula inédita:
– O pagamento de um milhão de euros a cada funcionário daquela firma, em caso de despedimento.
Chorou copiosamente. Tentou em vão seduzir a gorda, agora já não carente, entretida que andava com o CCOPB e para sempre magoada por ele a ter deixado depois do que por ele tinha feito. Alegou doenças que, entretanto, ganharam vínculos de veracidade, apenas para ver que o tratavam nos melhores médicos a fim de o manter a trabalhar, com rédea curta. Mais aos muitos do que aos poucos, foi descobrindo os prazeres do trabalho, as alegrias da escravidão, e teve tempo para apreciar o enorme alívio de não ter de reler todos os seus caderninhos.
Moral da história:
Ser calão compensa, e muito, mas convém não ser apanhado. Demasiada ambição pode deitar tudo a perder. Nota extra: jamais menospreze o ressentimento de um amor menosprezado.
Deixe um comentário