O Homem, enlouquecido, medíocre, encafuado na sua omnipresente estupidez, lá colocou ponto final naquele texto. Lá avançou para novo parágrafo, assumindo papel divino numa errática e enlouquecida narrativa, sobre o que devia ou não viver. Sobre o que poderia ou não ser. A bomba caiu. Hiroshima e Nagasaki estremeceram e não seriam as únicas ouas últimas. O império esbugalhou os olhos, para logo os cerrar, o mundo abriu a sua boca em O e estamos em crer que jamais a fechou. Havia vidas a chorar. Mas isto não era sequer o princípio, nem tampouco se ia ainda a meio da egoísta insanidade humanoide. Deus rangeu os dentes, abandonando a complacência e o bom-humor. O Homem tinha ido longe de mais. Tomava o seu lugar, no cargo de jardineiro. No cargo de guardião. Deus não receava a concorrência, apenas não tolerava o desmazelo, a falta de paixão e de tato. A total ausência de cuidado e de amor. A escassez de zelo, que leva a que se descurem os detalhes se despreze o pormenor. Não permitiria tal erva daninha. Acabaria tudo ali e agora. Encerraria a Terra. Deitaria fora a chave. Não havia espaço nem tempo para reconsiderações ou desculpas. Pobrezitos. Não se limitavam a ser ingratos. Eram ignorantes e boçais. Arrogantes e sem caráter. Viviam em torno do seu próprio e desmesurado umbigo. Tudo acabaria ali e agora. Sem novas hipóteses. Sem julgamento ou defesa. Tinham determinado o fim do jardim, pois isso seria também o fim do Homem. Por quem se tomavam? Com que direito? Estúpido.

Quando Deus se preparava para fechar, atrás de si, o enorme portão de batente duplo… Não acreditou que pudesse ser verdade. No meio da destruição, do coas, dor e destruição, em pleno avanço do fim, quatro árvores Ginkgo biloba sobreviviam, desdenhando dos propósitos nefastos do Homenzinho. Um braço no ar, em riste, uma promessa de verde, uma quase invisível mão acenando, a avisar Deus de que, se pelo mesquinho não valeria a pena continuar a cuidar daquele jardim, talvez por elas… Sim. Por elas. Por aquelas almas ancestrais, testemunhas longínquas da loucura humana.  Por aquelas sementes dinossáuricas, que assistiram ao correr das horas quando criaturas agora inexistentes caminhavam ainda os trilhos inóspitos do planeta. Sim. Talvez por elas. Uma lágrima de felicidade escorreu no rosto, meio irado, meio desconcertado, de Deus. Elas banharam-se nessa água – dizem que choveu torrencialmente nesse dia –, destilaram ódios e impurezas, lavaram o rosto vegetal e mostraram as suas cores, a sua determinação em continuar vivas. Em voltar a purificar o ar. Ainda que outra coisa não conseguissem, elas estavam ainda dispostas a continuar a tentar.  Apenas isso. A tentar. Uma tentativa que trouxe de volta a felicidade do seu verde. O bater do seu coração selvagem e resiliente. A sua ténue respiração. Uma vontade que salvou o planeta. A vida. O próprio Homem. Deus conseguiu sorrir. Por quanto tempo? Não sabemos ainda. Mas, naquele momento, com total sinceridade, Deus emocionou-se e juro-vos que sorriu.

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