Escusa de queimar o brócolo – até porque a receita não carece disso, ainda que demande outros ingredientes –, uma vez que se limita a lamejinhas. Quanto a estas, explicamos-lhe já de que se trata. Ora, a lamejinha é apenas um tipo de concha com um nome ridículo. Dizem os entendidos em zoologia, não nós, claro, que apenas entendemos de tudo o resto, que a Scrobicularia plana, de seu pomposo nome científico, é um molusco bivalve de concha quebradiça e oval, que se encontra enterrado no lodo ou na areia. Não obstante toda esta grosseria de origem, hábitos e linguajar, impróprio para estômagos sensíveis, garantem os mesmos tipos – os tais experts em coisas dos animais –, que são comestíveis. Bom, porto isto… Desculpem, queríamos dizer posto isto, se bem que se fosse Porto, estaríamos antes a falar de francesinhas e disso percebemos nós, já que francesinhas e outras nacionalidades se incluem em tudo o resto de que muito entendemos, como já referimos, mas que nunca é demais sublinhar. Retomemos o fio à coisa. Sendo comestíveis, obviamente que as comemos. O mesmo não é dizer que as cozinhamos. Além da vida de miséria que as pobres levam, enfiadas no confinamento lodoso, a comer areia e sabe Deus mais o quê, o dia inteiro, de pertencerem à família dos moluscos, de ainda serem bivalves e não possuírem mais do que uma casa débil e quebradiça – está visto que são os sem-abrigo das conchas e que pérolas nem vê-las –, as pobres fazem ainda parte daqueles serves vivos a quem não nos incomodamos minimamente de dar uma morte atroz. Das piores do mundo. As pobrezinhas são cozinhadas VIVAS. Sim. Nem um golpe na cabeça ou pescoço que acabe previamente com a sua miséria. Nem dose letal de comprimidos, nem um ligeiro choque elétrico, nem anestesia geral, nem uma adaga envenenada, nem um tiro de caçadeira à traição. Nada. Atiramos com elas para a frigideira ou tacho, ou lá como é que se faz, e torturamo-las até se esvaírem daquela sua vidinha estranha. Como se não bastasse, acho que ainda choram imenso antes de falecer. Não apenas o calor as introduz no inferno sem apresentações, limbo ou qualquer tipo de informação prévia, como ainda levam cebola crua como parceira na aflição. Misturam-se lágrimas de dor e de aflição. O resultado é divinal para o palato, mas recusamo-nos a cozinhar tal crueldade. Assim, sugerimos que vá antes ao cabeleireiro, enquanto ainda se pode, que outros bichos andam por aí de olhos na nossa crueldade e também já nos colocaram no tacho, e faça uma bonita ondulação, ou mesmo permanente. Os caracóis são hiper práticos na praia, ou para obter aquele look natural e selvagem, que não exige pente nem escova. Nem é preciso pentear-se. Como se tudo isto não fosse atrativo suficiente, os caracóis, digam o que disserem, nunca sairão de la mode. E a la mode somos nós que a fazemos. Não somos? Pois deveríamos. Nós por cá fazemos a nossa própria moda, só para que saibam. Vá, não faça ondas e vá fazer caracóis. Deixe lá as lamejinhas no lodo. Não é suficientemente trágico para o seu sadismo?

Ingredientes:

– Um bom cabeleireiro, ou apenas um perto de casa que sirva para o serviço e que já esteja equipado com ferramentas e procedimentos anti-Covid.

– Cabelo de qualidade e com comprimento decente para poder ser encolhido à força de caracóis sem que o resultado se erga nos céus.

Tempo de preparação:

Depende muito do tipo de cabelo, do comprimento, do treino, jeito e da mão certeira do cabeleireiro. Não durma no ponto, pois o caracol mais agradável é de tamanho médio a largo. Mais vale que fracasse e tudo resulte numa ondulação do que num indecifrável macramé.

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