Temos sempre algum pudor quando se levam religiosidades para a cozinha. Frente ao fogão gostamos de estar à-vontade, de soltar a nossa veia criativa e tudo se emperra e retesa um pouco quando entidades celestiais são evocadas, mais ainda se a cozinha estiver em desalinho, que a nossa não é conventual, nem temos noviças a quem pedir auxílio para ir lavando, limpando e arrumando, como compreenderão. Apesar disso e do nervosismo, daremos o nosso melhor.

Leva água, disso temos a certeza, e açúcar para a calda, e cascas de citrinos e um pau de cabind… mentira, de canela, assim é que é. Leva-se tudo isso ao lume, juntamente com um bom vinho do Porto, que as freiras viviam em clausura, mas não em estupidificação. Pare tudo quando atingir o ponto pérola, que é aquele ponto imediatamente posterior ao ponto cruz e anterior ao ponto caramelo, que é quando uma pessoa já não aguenta mais vigiar e mexer o tacho, sem que a calda ate ou desate. Antes de guardar a garrafa de Porto, dê um golinhos ara entrar bem no papel da freira prendada.

Reserve a calda e avance para a taça onde tem de bater gemas e um ovo inteiro. Não faça como as freiras e deixe que seja a batedeira a ter esse trabalho. Que elas tinham tempo e não assistiam a telenovelas ou reality shows e você tem a sua agenda mais do que preenchida para demasiada autoflagelação. Divida este preparado por formas pequenas untadas com gordura à sua escolha, sendo que não deve contemplar o hidratante que usa nas mãos. Já guardou o Porto? Este era outro bom momento para mais um trago.

Agora, atenção, que a malta nos conventos tinha tempo até para ser criativa nos modos de cozedura. Vai precisar de um tabuleiro. De colocar água no tabuleiro. De colocar as formas pequenas com o preparado a flutuar nesta água e só depois pode avançar para o forno. Uns dez minutos depois, mais coisa menos coisa – deve ser o tempo de uma dezena, ou uns dez Pais Nossos, retire do lume. Desenforme e regue com a calda, ou mergulhe-os nela se se excedeu na dose. Decore. Não a receita, mas os papos. Sim, essa massa mal-amanhada é que são os papos, a parte angelical e a da calda, porque tem aquele bom vinho do Porto, certo?

Não admira que as freiras tivessem papos e duplos papos, com tanta proteína a ir direto para a veia…

Ingredientes:

– Ovo inteiro

– Um bom vinho do Porto

– Ovos que não são inteiros

– Um bom vinho do Porto

– Raspa de citrinos

– Um bom vinho do Porto

– Hortelã

– Um bom vinho do Porto

– Água

– Um bom vinho do Porto

– Gordura para o ‘untamento’

– Um bom vinho do Porto

– Banho-maria

– Um bom vinho do Porto

– Pau de canela

Acho que não nos estamos a esquecer seja do que for, a não ser, talvez, ah, isso mesmo

– Um bom vinho do Porto

Tempo de preparação:

Depende da qualidade do vinho do Porto e da sua capacidade de aguardar e ainda da sua maneira de testar os ingredientes previamente.

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