Bulhão, para quem não sabe, é um indivíduo que anda à bulha ou é propenso a tal sempre que se lhe apresenta a oportunidade, ou sempre que a procura. Bulhões são indivíduos temperamentais, com o dito pelo na venta, hoje, muito contemporaneamente, designados de bullies. Têm o seu quê de violentos e são meio disfuncionais, na medida em que não são dotados das devidas competências sociais, aquelas que nos permitem não matar pessoas numa frequência diária. Ora – e este é um dado malvadamente curioso –, o bulhão ferve em pouca água, logo, não há terapia culinária que sirva de cura. Foi assim que inventou que as ameijoas iriam cruamente vivas para aquele banho curto de azeite quente, que a este juntaria cebola e alho, ingredientes que ainda ferem a vista, e mesmo uma malagueta ou outra, para que saibam como a vida é dura. Depois de mortas, já não poderiam perceber isso, pelo que é tudo adicionado em conjunto e em simultâneo sobre as vítimas do refugado, ou estrugido, como preferirem.

No final, um pouco por causa dos remorsos, lá vêm as flores, aqui na versão coentros picados. Por fim, bem destemperado, tudo isto chega ao prato de servir. A fim de garantir que o serviço ficou bem feito e que não há ameijoas vivas, regue-as com um pouco de sumo de limão, uma regra clássica nos procedimentos da Máfia. Se alguma espernear é porque é uma sobrevivente, nesse caso, deixe-a em paz. Se sobreviveu à tortura, merece outra chance de apreciar a vida. Não apenas isso, como, por vingança, poderia matá-lo em pouco tempo, já que ameijoas vingativas são letais. E pronto, é só pôr no prato para obter a receita no seu pleno e no plano, também.

Ingredientes:

– Ameijoas

– Caráter tendencialmente violento

– Gosto pela tortura

– Uma pitada de sociopatia

– Uma costeleta mafiosa

– Cebola

– Alho

– Malaguetas

– Coentros

– Sumo de limão para a prova dos vivos

– Um prato é imprescindível, para fazer jus ao título da receita

Tempo de preparação:

Criar um bulhão pode demorar uma vida. Claro que é fácil de detetá-los em criança, pelo número de crueldade com que vão brindando a família que lhe vai sobrevivendo e ainda pela falta de empatia por tudo o que não sejam eles próprios. De forma mais instantânea, basta alguém mais sensível, a quem irrite muito e que, num ato de loucura, consiga preparar as ameijoas. Que o lado negativo da receita não vos impeça de saborearem este prato, verdadeiramente divinal. Não o prato de cerâmica, não estamos a ser literais, mas a receita confecionada, ou seja, as coitadas das ameijoas. Podeis, agora, ir em paz.

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