Esta é daquelas receitas que dependem de um único ingrediente, mas que, por norma, exigem um segundo. O primeiro é o pão, neste caso já confecionado e não ingredientes soltos a necessitarem de um plano bem engendrado por uma estratégia culinária que os una para todos o sempre. Claro que se pretender estar do outro lado da receita, pode sempre confecionar ou comprar o pão e esperar que lho solicitem, para se sentir piedoso e assim.
Ora bem, onde íamos? No pão. Pois bem, o pão deve estar cozinhado e pronto a consumir. Pode ou não ser fresco, mas isso é com cada um, que a frescura e´, não raras vezes, sobrevalorizada. O segundo ingrediente é Deus, como está bom de perceber. Ora, Deus aqui é em sentido figurado, já que quem fez o filho passar pelo que passou, dificilmente se sensibilizará com as dores e agruras do pão, que, afinal, é amassado pela mão do Diabo, pois leva sal e já sabemos onde ao que o sal leva. Este Deus é, eufemisticamente, uma alma caridosa, uma pessoa generosa ou apenas um pedante com pão de sobra a quem não lhe custe deitá-lo aos amigos pobres ou apenas desleixados para ter a despensa em dia.
Assim, Pão de Deus Dará é aquele que recebemos sem ter de o pagar. Todavia, não se esqueça da máxima burguesa de que não há almoços grátis, nem do ditado popular que adianta que quando a esmola é grande o pobre desconfia. Assim, pobre ou remediado, desconfie sempre e muna-se do seu provador de comida (não se sobrevive sem um). Aguarde meia hora e só depois, caso o provador se mantenha vivo, avance para o repasto.
Pã verde, ao contrário do que obviamente se poderia deduzir, não é como aquele hediondo queijo suíço com bolor e larvas (grhh), é apenas pão que não deve ingerir – nem o seu provador, já agora, seria um provador a menos desnecessariamente –, a não ser que tenha queda para experiências bacterianas ao estilo Alexander Fleming. E, pronto, acho que é tudo sobre esta deliciosa receita. Tão boa, tão boa, que nem tem de a confecionar.
Ingredientes:
– Gente generosa.
Não se deixe enganar: frequentadores de igrejas não são generosos por definição. O mais proveitoso será indagar junto de bairros pobres. Afinal, os pobres não o são à toa, é por desbaratarem o pão todo. Já os ricos, fuinhas por natureza e profissão, nem o pão partilham, ainda que mal o provem, entretidos com os seus caviares e pulhices.
– Pão dado e ao Deus dará.
Apenas uma nota: se anda à babuja, não convém ser esquisito nem armar-se em fidalgo. Se é pão dado, é pão de Deus. Aproveite.
Tempo de preparação:
O tempo exato, nem mais um segundo, de encontrar uma alma caridosa com pão a mais e planos de futuro a menos, que mesmo pão duro pode dar umas boas migas. Daí a generosidade não ir longe, a preguiçosa! Aviso, pode demorar, mas não perca a esperança, que é sempre a última a morrer de fome.

Que me diz dos que defendem que onde se ganha o pão não se come a carne?
Recordaria, Vinicius, a existência do pão com chouriço, um dois em um, que pode baralhar o princípio do ditado popular 🙂