Tem escrúpulos religiosos, ou outros, que o impeçam de se entregar à luxúria de um prato onde se juntam termos do Demo, como doce, deleite, mousse e bolacha? Se tem, guarde-os e reserve até depois do términus da receita e sua posterior degustação, altura em que poderá redimir-se com orações, autoflagelação e/ou boas ações, pelo que, no final, todos ficam a ganhar: o pecador, que já se deleitou com o doce, a mousse e a bolacha, que não ficará, à seca, dentro dos pacotes, e os carentes, que beneficiaram dos atos de boa fé que a culpa o levou a praticar. Uma forma de conciliar os deuses do palato com todos os outros anjos e demónios que andam à solta na sua moral judaico-cristã, mais os seus sentimentos de culpa e tudo o mais. Reservado tudo isto e colocado em eterno banho-Maria – vê, até Maria alinha no pecadilho, pelo que não pode ser coisa assim tão ruim, que ela era uma santa mulher –, avance para o primeiro ‘crime triplo’ da sua vida, se de facto for o primeiro: a mousse, o doce e o deleite. Três faces da mesma pirâmide, que facilmente se unem naquilo que se convencionou chamar de divina trindade ou, mais comummente, leite condensado. Uma obra prima da leitaria que o Homem conseguiu enlatar. Pode elaborar sobre este princípio básico trifacetado e cozinhar algo mais, ou apenas meter a colher diretamente na lata, depois de aberta, e deixar-se cair em pecado. É particularmente indicado em caso de latas de leite creme cozido, o da cor acaramelada. De tão bom e pecaminoso, dispensa qualquer outro adereço ou exercício de culinária. Basta que se deleite. Como isso, aqui, não basta, há que adicionar-lhe o restante pecado, a bolacha. Esta pode ser inteira, partida grosseiramente ou triturada. Pode, com ela, forrar uma tarteira e, sobre a mesma, verter o pecado principal, se ainda lhe sobrar conteúdo da referida lata. Caso contrário, nem se dê ao trabalho de triturar a bolacha, coma-a diretamente do pacote. Só o tempo que não poupa!? E poupar é coisa sagrada, pelo que até poderá redimir-se desde logo de qualquer pecado envolvido, sendo que os mais comuns, gula e avareza vêm sempre à cabeça. Outra opção a não descurar, é ir mergulhando as bolachas no deleite da mousse e empanturrar-se, agora sim, sem reservas. Terminado, pode culpabilizar-se à vontade, pois que o que não tem remédio, remediado está. O seu espírito pode acabar atormentado, mas o seu estômago ficar-lhe-á grato até ao fim dos tempos. Os bíblicos e os outros também.
Ingredientes:
– Pouca capacidade de resistência ao pecado
– Lata de leite condensado com abertura fácil, para que o tempo de abertura não o impeça nem refreie de cometer o pecado da gula
– Mousse
– Doce
– Bolachas
– Sagrado deleite
Tempo de preparação:
Há quem demore mais tempo a afastar e a reservar resistências do que a abria a lata e a deliciar-se até ao fim. Depende bastante do tipo de força de vontade, do grau de envolvimento religioso, do tipo de fé, do apetite do momento. Seja como for, qualquer tempo será bem gasto, tendo em conta o proveito posterior. Fiquem com Deus.
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