Queria tanto saber vestir as palavras como os poetas e passeá-las por aí como os artistas de circo

Misturá-las e baralhá-las com o coração na copa dos absolutos e a leveza dos impossíveis, com ases e jokers a apostar para lá do permitido

Barrá-las de surpresa e admiração e com a mão certa dos pasteleiros e tudo em modo q.b.

Desordená-las com o acerto da alma

De quem consegue ver o que não existe ou, existindo, não está lá, está aqui, cá dentro, algures

Queria tanto dar voz ao vento e sossego às tempestades

Levar o Sul a ver o Norte e os minutos a parar nas horas

Que bom seria que as metáforas fossem de verdade e a verdade uma vontade, um voo, um salto de fé no limite do penhasco

Molharia o ar e secaria as fontes de dor e saudade

Queria tanto que existisses para te provar e, não gostando, colocar à beira do prato inquebrável e feito à mão por coração sábio e gentil e mão sabedora

Queria tanto a paixão do pincel quando este, furioso e inspirado, mergulha na cor em busca do tom certo e, não o encontrando, o inventa logo ali, à frente dos olhos do nosso espanto

Que bom seria, se todas as varinhas fossem de condão e todas as vontades boas e belas

Que a brisa guiasse o desnorte e o sol escrevesse sardas de felicidade nos rostos e picotasse covinhas nas nossas bochechas rosadas como rosas de maio

Queria tanto, tanto, habitar o pedaço mais tranquilo do teu coração ou esquecer-me de que ele existe enquanto lugar para morar

Queria ser pássaro e voar ou, não podendo ser ave, ainda assim caminhar pelo ar e sobre as ondas

Apanhar boleia do vento Suão e encostos das brisas marinhas, salgadas e folionas

Que bom seria ondular como a seara bronzeada, mas sem fundações terrenas a prender-me o movimento e o espírito

Podia ser cereja no cereal, amêndoa no amendoal ou chocolate na tua boca morna, todo derretido no susto do prazer

Queria muito ser bola de sabão na sua sapiente perfeição cilíndrica e voar até ao espaço sideral. Sem paragens ou impedimentos. Apenas livre, na solidão da vontade de subir, que é a mais solitária das decisões, a mais louca das vontades

Queria tanto querer mais e querer melhor e querer mais alto e acertado e colorido. E mais fundo também, que a superfície nem sempre diz tudo, ainda que dizendo algo

Queria ser mais qualquer coisa ou então menos qualquer coisa, menos melancolia talvez e mais melancia, que é fresca e feliz naquela forma gaiata das coisas que se observam sem que saibamos o que lhes vai dentro, além de sumo, cor e gargalhada

Que bom seria ser areia, mãe de todos os cristais e cálices com que se brinda à vida e ao resto. A tudo o resto. Areia quente, fluida, iridescente e sedutora da qual nascem os mais belos castelos e onde vivem os mais felizes de todos os seres. Simplesmente areia solta, afagada pelos ventos e acariciada pelo mar e pelo sol, a esgueirar-se pela ampulheta dos meus dedos

Queria ser retalho numa manta voadora, trança numa cabeça no ar, pulga num cão errante em busca do humano certo

Apaixonar-me sem querer, amar por querer muito e sair por já não suportar sentir

Também seria bom não querer tanto, que o querer faz sofrer e não deixa ver o que já se é e tudo aquilo que se pode ser ainda

Querer é uma lupa de aumentar tudo aquilo que já tem o tamanho mais certo

Vou querer não querer, se é possível isto querer

Seria tão mais simples, mas a simplicidade também é tão sobrevalorizada

Vou querer ainda mais um pouco, pois se querer magoa, só magoa a quem quer

Tu és livre de não querer

Mas eu quero

Quero muito

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