Sobre os Imbecis

Quem são? O imbecil não obedece a uma fisionomia específica que o distinga dos demais humanos. Ainda assim, o imbecil é um indivíduo peculiar. Um olhar atento descortina um imbecil a milhas de distância e nem necessita que o imbecil abra a boca, altura em que se torna óbvio estar-se na presença de um imbecil. O imbecil expõe-se alegremente, na medida em que desconhece a sua condição de imbecil. No fundo, fisicamente, são tipos iguais a quaisquer outros, mas algo emana deles de forma sub-reptícia, tornando-os fáceis de identificar pelas pessoas com o mínimo de atividade intelectual. São, por norma, pessoas com falta de noção, precipitadas nas avaliações e considerações sobre a vida, o mundo, outras pessoas em geral e tudo o mais. As suas avaliações são sempre deficitárias, incompletas e incongruentes, na medida em que ao imbecil falta lógica e raciocínio. Na presença de um, não terá dúvidas. São como alienígenas ou o diabo: não precisamos de uma descrição física, ou outra, para percebermos quando encontramos um. A certeza é visceral e não admitirá desmentidos, nem estes virão.

Por onde andam? É difícil que nunca se tenha cruzado com um imbecil, pois há-os de todas as formas e feitios e por todo o lado. Não há dados estatísticos precisos, mas admite-se que duas em cada três pessoas sejam imbecis, o que perfaz dois terços da população. Exageramos? Talvez! Eles ocupam baixos e altos cargos, funções públicas e privadas, podem dedicar-se à política ou às artes e abundam em qualquer família, sendo mais notórios nas famílias numerosas, até por uma questão de escala. Há famílias, empresas e corporações 100% imbecis, o que pode tornar estranha a vida de um ser que se encontre fora do espectro da imbecilidade e acabe rodeado por estes seres. Achando-se incompreendido ou intolerante, o ser normal tende a cair na depressão, quando bastava que se afastasse da imbecilidade e voltasse a falar com seres pensantes e racionais. Estamos a pensar organizar um grupo de ajuda para estes casos.

Regra de ouro: Não confundir o imbecil com o tipo que se arma em parvo. Ao contrário do tipo que se arma em parvo – arma-se, por maioria de razões, ou mesmo por razão alguma, que a parvoíce não obedece propriamente a regras específicas, ainda que não seja completamente aleatória, na medida em que se é parvo ou não se é parvo, o parvo, como dizíamos, sabe, mas prefere agir como se não soubesse – o imbecil não sabe. Genuinamente, não sabe. Ignora. Não faz sequer a mais ínfima ideia de que é realmente boçal, de que lhe faltam faculdades cognitivas e intelectuais, de que é mentecapto e idiota. O imbecil é genuíno. É sincero na sua ignorância, enquanto o tipo que se arma em parvo é um farsante. Um mentiroso de ocasião, ou sempre mentiroso, depende muito dos casos. Não quer isto dizer que o parvo seja esperto, ou que quem se arma em tal não seja, também ele, deficitário em inteligência. É até o mais provável. Porém, há no tipo que se arma em parvo um ‘mas’, uma incerteza acerca da veracidade da sua total ignorância. Pode apenas ser-lhe útil, ou não perceber quão idiota é estar a fazer-se passar por parvo. Pode fazê-lo num momento de aflição. Para se safar de algo, um ato ou uma ideia, que não faz jus ao esperado. Pode agir assim, apenas para exasperar interlocutores que o estejam a irritar. Por cobardia, para se ilibar de algo deveras estúpido que não previu, ou que teve consequências desastrosas, ou que acabara por jogar contra si… Por medo. Medo de julgamentos, represálias. Enfim, não esquecer que quem se arma em parvo não é um tipo exemplar, nem exibe um caráter sem falhas, imaculado. Daí não se livrar desse pesado grilhão, que é a parvoíce.

A tragédia do imbecil: O imbecil, por seu lado, não sabe…, pior, nem tem como saber quão ignorante e idiota é. Quão desesperantemente tonto e boçal surge aos olhos de todos aqueles que não são nem uma coisa nem outra. Aos olhos de quem não é parvo nem igualmente imbecil. Mesmo sem alguém por perto, para avaliar a sua tontice, o imbecil não tem noção de que é imbecil, até na sua solidão, e de que age sempre em conformidade com essa incapacidade intelectual. Por desconhecer o seu grau de ignorância, o imbecil é como um frasco de compota vazio, que não percebe a sua inutilidade. Bom, com a moda da reciclagem e do reuso, até um frasco vazio aspira e tem garantidas uma segunda e terceira vidas, pelo que esta não é a melhor das analogias. A ver se agora acertamos: o imbecil é como um telefone sem rede, um computador sem internet, ou, por vezes acontece e há testemunhos presenciais, o imbecil chega a ser como um computador sem motherboard. É verdade. Há casos sérios de imbecilidade, que chegam a este desesperante grau. O dito grau zero da coisa cerebral.

Coisa a ter em conta: O imbecil não melhora, uma vez que a imbecilidade pura – e não a mera ignorância de um assunto ou pouco domínio sobre uma matéria – não tem cura. Por isso, desespere, mas não exija demasiado do pobre coitado. Mesmo que lhe explicasse um milhão duzentas e cinquenta mil quatrocentas e três vezes algo, o imbecil jamais conseguiria abarcar aquilo que tenta explicar-lhe. Não vai lá nem com tangerinas. Esse é o terrível drama por onde circula este pobre protagonista. O melhor será evitar o imbecil a todo o custo, pois, no final, é garantido que lhe sairá mais barato.

O bom, nisto tudo: A falta de cérebro não é contagiosa, muito embora a convivência prolongada com indivíduos imbecis provoque apatia e uma espécie de diminuição da inteligência. Algo que ocorre por osmose e ausência de estímulo intelectual, mas que, não sendo um imbecil certificado, tem retrocesso. Basta que deixe de ‘consumir’ imbecilidade e tudo volta ao normal, ou quase, já que estas coisas deixam sempre marcas. Todavia, procurar imbecis, dar-se com eles frequentemente e ser ‘cliente’ de ambientes imbecis também já diz muito sobre essa pessoa e as suas incapacidades, ainda que estas não sejam intelectuais e se alojem mais no foro das (in)competências sociais. Pode tolerar-se um imbecil, se imbuído do espírito paternalista de que os mais fortes devem valer aos mais fracos e por aí fora. Todavia, ninguém, por qualquer razão moral ou ética, tolera um semi-imbecil, alguém que opta por ser uma espécie de imbecil, ou que apenas se sente gente ao lado de tipos obviamente mais burros, a fim de poder sobressair. Para isso, desculpem lá, mas não há paciência que chegue no planeta inteiro. O imbecil não tem escolha, não pode encomendar um cérebro novo, fazer um upgrade ao que já tem, até porque não sabe que necessita de um cérebro, dado que aquele a que dá uso está perto da nulidade pensante. Mas um idiota pode e deve melhorar.

Confusões a evitar: Por ser tão cerebralmente desfavorecido, o imbecil pode, e na maioria das vezes isso acontece de facto, assemelhar-se ao cínico. Agir de forma tão desconcertantemente ignorante, que parece propositada. Ser tão estupidamente cretino, que parece provocar. Tão infeliz e desacertado, que parece planeado. Desengane-se, o imbecil raramente sabe o que faz e nunca sabe o que diz. Pode até lembrar-se de o ter feito ou dito, mas não consegue avaliar, qualificar ou quantificar, nem mesmo dar uma explicação lógica para ter dito e feito especificamente aquilo, seja lá o que for, seja bem ou mal feito ou dito. Falta-lhe a bitola intelectual, o discernimento da inteligência, a lucidez da lógica, o desafogo da esperteza. O pequeno e frágil cérebro do imbecil vive sozinho e desamparado, num cantinho húmido e sombrio do crânio, sem capacidade locomotora para sair dali ou ambição para se desenvolver ou exercitar. É uma incapacidade congénita, e não algo que dependa da vontade do coitado.

Não precisa de ter pena: Não caia na triste condescendência. Não apenas um ato de soberba intelectual cai mal em qualquer circunstância ou momento, como não há mesmo necessidade. O imbecil não compreende, não se dá conta e continuará a irritá-lo com a sua imbecilidade. O ignorante pode aprender, o burro não. O ignorante acabará por saber que não sabe, o imbecil não. É um facto. É como nascer com olhos pretos ou azuis. É assim. Pode sempre tentar ignorá-los, o que é complexo e muito difícil, já que eles andam por aí, e dão-se a conhecer sem reservas, ignorantes que são da sua condição – como já ficou explicado –, misturados na multidão e surgem-nos sem aviso prévio: atrás de um balcão de atendimento, debaixo da bata de um médico (sim, podem conseguir decorar, desde que para aí virados, ou forçados por forças maiores: medo de que os pais lhes tirem a mesada, por exemplo), a viver no andar de cima… Ou pode tentar evitá-los, depois de identificados. Será o mais acertado desde que com eles não seja forçado a conviver, por questões de parentesco ou por serem colegas de trabalho…

Não confundir: O imbecil não é um humorista. Ele diz e faz tudo aquilo que diz e faz por acreditar piamente de que é a coisa certa a dizer ou a fazer. Podem até – há registos de casos bem documentados, que atestam aquilo que agora vamos dizer –, podem até, dizíamos, olhar-nos como se fossemos nós os imbecis, aqueles que não entendem a sua liliputiana lógica deformada. Como se fizessem parte de uma seita demoníaca que não os deixa ver mais além da sua doutrina. É difícil de compreender a imbecilidade, quanto mais aceitá-la.

Típico de imbecil: Apenas alguns pequenos exemplos, para que não mate um cretino – sob a influência de uma neura incontrolável –, achando que está a assassinar um provocador, um tóxico, um mau caráter. Quer dizer, o imbecil também pode ser outras coisas, incluindo todas estas: tóxico e mau caráter. Estes casos extremos são os chamados ‘Inferno em vida’, mas, por regra, o imbecil é apenas imbecil. Simplesmente isso. Nada mais. Ou antes, nada menos, já que há poucos níveis abaixo da falta de conhecimento do imbecil, para não dizer inexistentes. Posto isto, seguem-se os exemplos.

– O imbecil é aquele tipo que fala tão perto do seu nariz, rindo e dizendo disparates, enquanto ainda cospe restos do brownie, que você só lhe consegue ver um olho que é, na verdade, a junção dos dois olhos do imbecil, sem espaço de permeio que lhe permita focar os dois.

– O imbecil é aquele fulano, no trabalho, que lhe envia uma SMS dizendo: “Avisa-me se não receberes esta mensagem”.

– O imbecil acredita piamente que um quarto de laranja é uma divisão pintada de cor-de-laranja, e jamais compreenderá que metade de metade é um quarto. Para ele, é apenas mais uma metade.

– O imbecil é o tipo que utiliza levianamente no seu discurso palavras cujo significado desconhece. “O trend do momento é amanhã, achas que podes ir?”

– O imbecil é o tipo de condutor que necessita de virar à esquerda para virar à direita, como se estivesse ao volante de um mega camião de 18 rodados.

– O imbecil é o tipo que continua sem conseguir encaixar à primeira a cápsula do café na máquina, forçando sempre o lado errado e dizendo mal do equipamento.

– O imbecil ri demasiado e de forma alarve e excessivamente histriónica, de coisas que quase não têm piada, o que é muito embaraçoso.

– O imbecil, quando não sabe uma resposta, dá uma explicação completamente estúpida e sem lógica, cheia de coisas que não vêm a propósito e termos técnicos de áreas distintas, como se estivesse a esclarecer cabalmente tudo o que havia para saber sobre o que havia sido inquirido. “O Outlook não está a responder porque a entrada do output, combinada com a sua password específica não funciona com este motor de busca.”

– O imbecil termina qualquer frase com a pergunta retórica: “Compreendes?”, ou “´Tás a perceber?” (Se, ao menos, ele compreendesse tudo aquilo que estamos a perceber!)

– O imbecil é o tipo que viu N vezes o filme ‘À Procura de Nemo’ e nunca o encontrou (ao Nemo).

– O imbecil, mesmo quando não compreende aquilo que está a ouvir, retorque sempre: “Completamente, pá!”

– O imbecil, na sua obscena limitação, nada sabe ou compreende acerca seja do que for, embora acredite piamente no contrário.

Por último: Não esquecer, um imbecil é um imbecil. Jamais terá capacidade para ser outra coisa. Não tente mudá-lo, exceto se tiver a vida toda livre e procure uma ocupação sem término.

Se tudo o que aqui dissemos não lhe fizer sentido, então, este texto não é para si. Procure outro.

Se descobriu agora que é imbecil, lamentamos, mas o mais provável é que não seja, ou não o seja num elevado grau.

Se vive rodeado de imbecis, crie um clube de interajuda.

Se acredita piamente que não é imbecil, parabéns!

Adenda final: Havia muito mais para dizer sobre o imbecil, mas falta-nos a paciência.

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2 Comments

  1. Amanda Miranda

    Realmente MUITOS imbecis no mundo, difícil dizer quem nunca cruzou com alguns na vida!

    • Marina Rocha Ribeiro

      Tão verdade, Amanda!

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