Na vida real, que é aquela que nos importa e com a qual temos de lidar, a Realidade Aumentada, está bom de ver, refere-se a volumetria e quantificação e pouco ou nada tem de diversão, exceto para aqueles que adoram gozar com terceiros ou mesmo segundos, ou ainda primeiros. Assim, para que nos situemos com clareza de definições, os gordos estão para a vida real, como a Realidade Aumentada para o mundo virtual, pelo que a realidade aumentada que aqui nos reúne são os gordos e anafados. Em ambos os casos, porém, tudo se resume à realidade acrescida de algo mais. Assim, na Realidade Aumentada de todos os dias, temos um corpo humano ao qual se soma gordura supérflua – exceto, obviamente, se o humano gordo se prepara para hibernar durante um qualquer inverno ártico, e, nesse caso em exclusivo, um bom armazenamento de gordura poderá ser útil, incluindo para fazer umas velas de sebo com as quais iluminar a caverna, a fim de não desabituar a visão de toda e qualquer réstia de luz. Estes são casos raros. Em todos os outros, a gordura será sempre supérflua, uma espécie de demonstração exterior de riqueza e estará para os excessivamente nutridos como um carro ridiculamente caro e estupidamente desportivo para um velho careca. Qualquer um dos exemplos não obterá mais do que meras desilusões, que a vida pode até ser simpática, mas não é tolerante, menos ainda empática. Bem vistas as coisas, pode mesmo chegar a ser psicopata, mas isso fica para depois.
Voltemos à Realidade Aumentada. Tal como no campo virtual, onde se procura bonecada escondida na realidade com a ajuda de gadgets e dispositivos eletrónicos, ela tem algo de lúdico, que pode escapar à maioria das pessoas que não se encantam com quilos de carne gordurosa a qual ainda se confeciona em frituras, a escorrer os mais variados sucos e molhos, ou com buscas idiotas de figuras virtuais em fundos reais, com o auxílio e smartphones e afins. Mas a natureza humana é diversa e complexa e abracemos a sua diversidade, aceitando que uns quantos se entusiasmem a chafurdar em lípidos. Mas isto não rejeita, à partida, considerações sobre quão patéticos somos. Todos, sem exceção, diria mesmo.
Vamos lá aos gordos (atenção, estão excluídos casos patológicos em que a gordura se deve a doenças de difícil controlo, ok?), aqueles que devem a sua gordura exclusivamente à sua gula.
Porquê engordar?
Gordura não é formusura, nem sabemos bem de onde isto vem, pois mesmo noutras eras, em que corpos curvilíneos ditavam as modas, a verdade é que isso apenas se aplicava às mulheres, por certo, para as tornar mais apáticas e menos ágeis na fuga, na hora de as agarrar à força para as submeter contra sua vontade a um certo e determinado tipo de sevícias. Quanto mais peso, melhor se verifica e atesta a lei da gravidade. Um gordo agarra-se mais ao chão do que um leve, podendo mesmo este último desatar a bater recordes de 100 metros barreiras só para não beijar um tipo desdentado ou, naquele tempo, com possível escorbuto. Napoleão, ainda que baixote, não era gordo, por exemplo. Já pararam para pensar nisso?
Desvantagens de se ser gordo
Todas. Mas enumeraremos umas quantas, ainda assim, só para nos fazermos entender.
– Falta de agilidade para… tudo, inclusive, para atacar a comida das prateleiras mais altas do super ou hipermercado, ou mesmo da mercearia do Sr. Zé. Se este argumento não convence os próprios gordos…
– Transpiração. Os mais sensíveis poderão saltar esta explicação. É sabido que as glândulas sebáceas não dão tréguas nem no inverno, imaginem a situação em plena primeira quinzena de agosto na praia da Rocha. Um cenário que não melhora, em qualquer estação do ano, numa carruagem de metro em hora de ponta. Já todos testemunhámos o efeito antidesodorizante desta melindrosa e delicada hipótese, mais vezes do que as desejadas, e falar em desejo, neste caso, é pura liberdade literária.
– Guarda-roupa. Ui, esta é uma questão sensível. Nada fica bem numa massa amorfa de carne, pelo que tanto uma jelaba até aos pés como uma minissaia cumprem a mesma vã função de tentar cobrir ou moldar desmesuradas partes de corpo. Claro que há o fat pride e outros semimodismos do género, mas a verdade é que todos pretendem mostrar-se no seu melhor, mas esse é um lado muito oculto num corpo com 300 quilinhos. Além de que não se pode beneficiar dos saldos, já que parecem feitos para a média, o dito suficiente, e o suficiente, aqui, ao contrário do que sucede num teste de Matemática, é o desejável.
– Saúde. Não critiquem a sociedade por recriminar os corpos obesos, quando são os próprios corpos obesos quem mais alergia tem aos gordos, punindo-os como pode. O coração não suporta gordos, pelo esforço que o obriga a fazer para manter a oxigenação de quilómetros e toneladas de banha nos mínimos olímpicos da oxigenação. O fígado não consegue processar tanta gordura, o pâncreas sufoca com as doses massivas de açúcar, o estômago alarga até ao limite da dilatação, as veias gritam por menos pressão, a estrutura óssea cede a cada passinho titubeante… Um inferno para a biologia que sustenta a vida humana na Terra.
– Estética. Pouco e fraco cabelo devido à sobreatividade das glândulas sebáceas, à constante transpiração ou coisa que o valha. O certo é que os obesos não têm muito nem bom cabelo. Se nunca tinha reparado, atente neste facto.
– Desporto. À exceção de jogos de tabuleiro… não me ocorre outra modalidade em que os gordos tenham cabimento, não obstante as licras elásticas que hoje se fabricam para uma série de desportos, mas que não se usam, por exemplo, para jodar xadrez ou damas ou monopólio… Quer dizer, podem usar-se uns latex, mas ficaria ridículo, certo?!
– Andar de avião. Exceto se pagarem os três lugares e metade do corredor entre coxias que ocupam, não andem de avião, menos ainda em viagens de longo curso, impedindo quem quer que seja que entalem ao vosso lado de ousar sequer ir à casa de banho ou levantar-se para esticar as pernas. Obrigam ainda os passageiros da frente e de trás a posições oblíquas e incómodas, as quais se somam ao receio de perderem a vida a qualquer momento, esborrachados pelo vosso peso, caso alguma porca ou parafuso ceda ao encanto das suas centenas de quilitos. Não esquecer que a nossa liberdade acaba quando começa a dos outros. O mesmo se aplica ao espaço que cada um ocupa.
Vantagens de se ser gordo
– Nenhuma. Se nos ocorrer alguma, que não seja terem prioridade numa urgência cardíaca, voltaremos aqui.
Casos de vida ou de… gordo
Um gordo, mesmo que a isso fosse fatalmente obrigado, jamais poderia correr para salvar a sua própria vida, já que o seu peso e letargia tal não permitiriam. Um obeso preso numa avalancha, seria sempre um caso perdido, e quem se lançaria a uma piscina para ir buscar um obeso afundado? Muito complexo, não é?
Falsas verdades acerca dos gordos:
– São todos felizes e divertidos.
Podem ser bons a disfarçar, a fazer de conta, mas não podem ser felizes com um corpo que apenas dificulta a sua ação física, psicológica e social. Como ser feliz sob o estigma de que são preguiçosos e não têm força de vontade para resistir sequer à gula? O bom -humor de alguns é pura manobra de diversão. Uma mera defesa para lançar nos olhos do outro a areia difusa de que a gordura não os incomoda e de que conseguem ultrapassar questões de balança com humor e ‘graciosidade’. Antecipam-se a comentários jocosos, avançando eles próprios com situações anedóticas sobre o seu excesso de peso e alarvidades sobre comida. São, no fundo, Obelixes conscientes. A magreza não traz felicidade, porque haveria a gordura de ser capaz de tal façanha? Açúcares não são endorfinas.
– São pessoas de bem com o seu corpo.
Não são. Não encontram roupa que lhes sirva, empregadores que corram à sua procura, cadeiras nas quais confiem a 100%, certeza de que se conseguirão levantar de determinado sofá ou que um escadote de madeira ou mesmo de aço não ceda ao seu peso… A vida de um obeso é tudo menos fácil, e a lembrança do corpo que têm, e de quanto pesam é constante e assustadoramente omnipresente. Muito mais do que a de Deus na vida de um crente.
– São indivíduos de bem com a vida, que a sabem aproveitar ao máximo.
Esta é a falácia das falácias, por maioria de razões. O prazer, exceto o da degustação, foi desenhado por um Deus magro e atlético. Tudo o que é verdadeiramente prazenteiro e agradável foi concebido para os magros: apanhar sol, correr ao final do dia pela areia da praia, subir a uma montanha, caber num carro, sair da cama sem acordar todos os 135 moradores do arranha-céus em que se vive, pegar na pessoa que se ama ao colo, chegar ao topo da sua própria cabeça, reconhecer os seus pés… Esta vida, como a conhecemos, não é para gordos. Se assim fosse, porque estão multimilionários os grandes dietistas dos nossos dias? Seguramente que a sua clientela não é magra. Se a gordura nos deixasse tão mais felizes e com veia de comediantes como alguns querem acreditar, não se teriam inventado a banda gástrica ou as dietas (Os milhares de milhão destas).
Como se chega a obeso?
Não falamos daqueles cinco quilos que, possivelmente, todos achamos ter a mais. Falamos naquela centena de peso extra, que faz com que a barriga forme pregas e caia sobre as coxas como os aventais dos maçons. Quer dizer, não se acorda assim um dia. Antes de atingir 300 quilos, passaram-se mil e uma etapas de horror. Os primeiros cem quilos – exceto em indivíduos extremamente altos e bem proporcionados – já deviam ter acionado todos os sinais vermelhos e sonoros e outros signos de alerta. Como partir daí, com tudo a acender e a apagar, para os 120, os 150, os 200 e por aí fora? Alegremente e de barriga cheia, dir-me-ão, mas não me convencem. Fuga para a frente não é uma estratégia é apenas isso mesmo, uma fuga e fugir dos nossos medos e inimigos leva a vidas curtas e amedrontadas. Mesmo supondo que o indivíduo vive sozinho, não há uma alma caridosa que lhe diga que entrou no domínio do patológico? Que tem de perder peso em nome da própria vida? Que está badocha? Como não agir quando um adolescente soma mais peso do que toda a sua família, incluindo os tios emigrados no México? Por amor da santa, a gula, logo, a gordura é um pecado mortal. Isso não vos diz algo? Todas as religiões impõem épocas de regime, de desintoxicação alimentar, de jejum e não se questionam porquê? Porque Deus também é nutricionista e julgou, assim, estar a zelar por nós. Mais uma vez, em vão. Pensem nisso. Já pensaram? E, então? Conclusões?!
Saber quando se bateu no fundo… do tacho
– Quando come às escondidas de si próprio. Diria que este é um sinal de fim de linha.
– Quando dá por si a correr desalmadamente… para o frigorífico.
– Esquecer-se propositadamente de que já almoçou… duas vezes, hoje.
– Estar em permanente estado de hipoglicémia o que justifica clinicamente a ingestão errática e monstruosa de bolachas calóricas e chocolate.
– Queda para quedas de tensão ilusórias, apenas para receber aquela dose extra de açúcar (“Mas sem água, por favor, líquidos podem cair-me mal, obrigada!”)
– Optar por 72 refeições ‘ligeiras’ ao longo do dia, e apelidá-las de ligeiras apenas porque cada uma delas é apenas metade do que comeria em cada uma das três refeições dignas desse nome que anteriormente ocupavam um terço do seu dia.
Gordura I Love You
Claro que, ao contrário do planeta, que é uma ervilha, cada cabeça é um vasto universo e há muito apreço por gordos em alguns universos, incluindo sexuais. Pelo que, gordinhos deste mundo, nem tudo está perdido – exceto, talvez, uma vida longa e saudável.
Feederismo – No âmbito das parafilias, esta é, por ventura, uma das mais cruéis. Consiste em tirar prazer, incluindo sexual, em alimentar excessivamente alguém e ver esse alguém ingerir porções desmesuradas de comida. Lá diziam os nossos avós que há uma tampa para cada tacho, e já que é de comida e glutões que falamos…
Big Beautiful Woman – Foi inicialmente nome de revista para mulheres de tamanhos grandes, para usar de eufemismo, e designa agora mulheres obesas que suscitam um certo encanto em alguns homens com queda para a escalada e o montanhismo humano.
Fat Admirer – Apenas outro termo para pessoas que se excitam com corpos excessivamente gordos.
Obesofilia – Nome comum da parafilia que designa a atração sexual por pessoas obesas.
Conclusão
Há rumo para todos, como bem se percebe, incluindo para quem não controla a sua atração por comida e se está borrifando para estéticas e vida saudável, o lifestyle que se lixe, vou mas é comer mais uma dose de cada prato do menu e chamar-lhe degustação. O final feliz desta dissertação é desejar a cada obeso o seu obesofílico, o seu fat admirer, ou o dietista mais persistente e competente do ramo e, claro, uma vida calórica em felicidade e obesa de duração.
É verdade, deixem de se preocupar tanto com o corpo de verão e mantenham-se alerta e preparados para qualquer estação do ano, ou querem ser retirados do próximo inverno com a ajuda de uma grua? Outra coisa, além da quantidade, cuidem ainda da qualidade da alimentação pois parece que, no final, somos aquilo que comemos e bebemos (pois é, o álcool engorda horrores e o sumo também, tomem o exemplo dos lutadores de sumo!). Assim, e respondem a uma das questões iniciais sobre para que serve a gordura, a resposta cabal é: para nada, exceto dar prazer a um estômago relaxado ou a um tarado sexual que se entusiasma com obesidades mórbidas, mas nos outros.
Posto isto, bom resto de continuação.
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